Morreu a cantora Mary Wilson, uma das Supremes e muito mais do que uma ooh girl

Frequentemente ofuscada pela magnética Diana Ross e por Florence Ballard, que morreu prematuramente em 1976, Wilson era considerada a força estabilizadora do trio e foi a única que se manteve no grupo até 1977, ano da sua dissolução. Tinha 76 anos.

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A cantora Mary Wilson, co-fundadora das Supremes, girl group incontornável da lendária editora norte-americana Motown, morreu na segunda-feira aos 76 anos em Las Vegas, nos Estados Unidos. A notícia foi confirmada pelo seu representante, Jay Schwartz, que não adiantou detalhes sobre a causa da morte.

“As Supremes foram sempre conhecidas como ‘as queridas da Motown’”, referiu Berry Gordy, fundador da Motown Records, depois de saber do desaparecimento da artista. “A Mary, a Diana Ross e a Florence Ballard juntaram-se à editora no início dos anos 1960. Depois de uma série sem precedentes de primeiros lugares nas tabelas ​e de aparições televisivas, elas abriram as portas para si próprias, para os outros artistas da Motown e para muitas mais pessoas… Sempre tive orgulho da Mary. Era uma estrela à sua própria maneira e, com o passar do tempo, continuou a trabalhar arduamente para alimentar o legado das Supremes. A Mary Wilson era extraordinariamente especial para mim. Era uma pioneira, uma diva e vamos sentir muito a falta dela.”

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As Supremes: Florence Ballard, Mary Wilson e Diana Ross dr

Nascida a 6 de Março de 1944 em Greenville, no Mississípi, Wilson fundou as Supremes, inicialmente chamadas The Primettes, com Diana Ross, Florence Ballard e Betty McGlown em 1959. Esta última seria substituída em 1960 por Barbara Martin, nativa de Detroit que, por sua vez, também sairia de cena em 1962. Foi nesse ano que, finalmente enquanto trio, as Supremes iniciaram a sua trajectória ascendente, tornando-se um dos primeiríssimos grandes trunfos da Motown no início da década em que esta editora também lançaria sucessos de nomes como Stevie Wonder, Marvin Gaye, os Jackson 5 ou os Four Tops.

Entre 1964 e 1969, as Supremes tomaram de assalto o primeiro lugar das famosas tabelas de venda da Billboard. O single When the lovelight starts shining through his eyes chegaria à 23.ª posição em Dezembro de 1963, mas as portas foram derrubadas na Primavera de 1964 com Where did our love go, uma das canções mais emblemáticas do grupo e, curiosamente, um tema a que as três começaram por oferecer alguma resistência — Brian Holland, Lamont Dozier e Eddie Holland, históricos compositores e produtores que ajudaram a definir o característico “som da Motown”, tiveram de convencer o grupo a gravar essa música. As vozes caramelizadas de Ross, Wilson e Ballard produziriam ainda hits como Baby love, Come see about me, Back in my arms again, Stop! In the name of loveYou can’t hurry love.

“Se, por um lado, Ross ficou conhecida como a superestrela internacional do grupo e Ballard, que morreu aos 32 anos, em 1976, ficou para a história como a sua figura trágica, Wilson foi a força motriz omnipresente e franca — embora muitos ainda a vejam como a cantora cujo coro era não mais que um complemento para apoiar o trabalho principal de Ross”, aponta Chris Martin, da revista Variety, num obituário em que salienta que Wilson não gostava de conviver com esta sua reputação. “As pessoas ainda acham que sou só uma ‘ooh girl’”, diria em 1986 ao jornal San Francisco Chronicle.

A cantora, que foi a única da era clássica a permanecer no grupo até 1977, ano em que a Motown o dissolveu — Ballard, que começou a ter problemas relacionados com depressão e álcool na segunda metade dos anos 1960, viria a ser substituída por Cindy Birdsong, que Diana Ross e Berry Gordy alegadamente terão querido contratar sobretudo pelas suas parecenças físicas com Ballard; Ross, cuja popularidade levou a que o trio mudasse o nome para Diana Ross & the Supremes em 1967, abandonou o barco três anos mais tarde para perseguir uma carreira a solo —, ajudou a construir a imagem orgulhosamente glamorosa das Supremes, mas também contestou a ideia de irmandade que as notabilizou. Na sua autobiografia Dreamgirl: My Life As a Supreme, um best-seller publicado em 1986 que a Variety descreve como “uma das primeiras obras verdadeiramente reveladoras escritas por alguém da chamada ‘família da Motown’”, Wilson retrata Diana Ross como uma “diva traidora e constantemente em busca de atenção e protagonismo”, argumentando que esta “usou a sua relação com Berry Gordy para conseguir o que queria pessoal e profissionalmente”.

“Segundo a autora do livro, as ligações de Ross ao patrão da Motown faziam com que só precisasse de uma chamada telefónica para conseguir controlar as intenções do grupo”, destacou Milo Miles na crítica de Dreamgirl que escreveu para o The New York Times em 1986. “Mas isto terá sido mais do que uma jogada de poder; foi o encontro de duas mentes ágeis. Gordy via muito claramente como a música elegante mas implacável de Ross era um bilhete para a sua empresa subir. E a cantora era a protegida ideal: Diana era uma perfeccionista determinada que fez birras de estrela até no autocarro modesto que a Motown usou para a sua primeira digressão nacional em 1962.”

Dreamgirl: My Life As a Supreme começa com um episódio ocorrido nas gravações de Motown 25: Yesterday, Today, Forever, o especial de televisão que a NBC exibiu em 1983 para comemorar os 25 anos da Motown Records; num dos takes, Ross terá empurrado Wilson para o lado em pleno palco. “Ela fez muitas coisas para me magoar, humilhar e irritar, mas, estranhamente, continuo a ter orgulho nela”, reflecte na autobiografia.

Depois das Supremes, Mary Wilson editaria dois álbuns a solo: o primeiro disco, homónimo, saiu em 1979, enquanto Walk the Line foi lançado em 1992. A cantora foi também vital para a apresentação do projecto de lei Truth in Music Advertising, que tem como objectivo proteger os direitos de marca dos artistas musicais. Mary Wilson entrou para o Rock and Roll Hall of Fame em 1988, juntamente com Diana Ross e a na altura já falecida Florence Ballard.

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