A corrida às vacinas

O mais importante agora é manter a esperança e conter a avidez. A corrida que importa é a credibilização do plano e a aceleração da vacinação. Precisamos de confiar em ambas.

Acabámos um ano com a esperança de recebermos uma vacina que nos livre da epidemia e iniciámos o seguinte a correr desenfreadamente para sermos os primeiros a tomá-la. De um momento para o outro, não podemos contar com as quantidades das vacinas que nos prometeram e anunciaram e somos forçados a olhar com mais atenção para as vacinas das quais desconfiávamos.

A produção, distribuição e administração de vacinas transformou-se na nova batalha geopolítica entre países e blocos, num nacionalismo encapotado pela aflição sanitária, da qual a União Europeia (UE) sai enfraquecida. A Hungria não poderia deixar escapar esta oportunidade para acolher a vacina russa e criticar Bruxelas, assim como Putin não poderia deixar escapar esta oportunidade para alimentar a confusão. A única política natural da Rússia para com o Ocidente não é a de procurar alianças, mas sim a sua desunião, escreveu o poeta Fyodor Tyutchev em 1864. Um dia lá iremos tomar a Sputnik V e os seus efeitos secundários não serão físicos.

A crescente diversidade de vacinas, com as devidas nuances de conservação, administração e eficácia, contribui para a infodemia; para uma informação cacofónica nem sempre fidedigna e definitiva sobre as particularidades de cada uma delas, sobre se os idosos podem ou não ser inoculados com segurança ou sobre quais os efeitos da mistura de várias. Tudo isto com a agravante de as novas variantes lhe acrescentarem uma dose de incerteza e de a sua escassez, pelo menos no espaço europeu, motivo de preocupação para a Organização Mundial de Saúde, gerar tanto ansiedade como avidez.

Portugal não é caso único na administração indevida de vacinas, mas não deixa de ser triste que acabemos a discutir molduras penais para este comportamento, como propõe o PSD; que o Ministério Público tenha aberto inquéritos a casos que envolvem o INEM e a Segurança Social; ou que o responsável pelo plano de vacinação se tenha demitido por irregularidades semelhantes no hospital que dirige. Já nos bastavam as corridas de obstáculos entre farmacêuticas e entre países ou o turismo das vacinas – o Dubai oferece pacotes de luxo que incluem a vacina chinesa.

Portugal é o 16.º país do mundo com mais pessoas vacinadas por 100 habitantes, à frente de Espanha, Suécia ou Alemanha. O mais importante agora é manter a esperança e conter a avidez. A corrida que importa é a credibilização do plano e a aceleração da vacinação. Precisamos de confiar em ambas.

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