José Dinis, o dentista que levava livros às terras do Ribatejo e Alentejo

José Dinis é uma referência no mundo das bibliotecas móveis em Portugal. Durante mais de 30 anos dinamizou uma biblioteca itinerante que levou a leitura e o conhecimento a muitas aldeias do Médio-Tejo e do Norte Alentejano. Faleceu recentemente em Coimbra.

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João Dinis com Nuno Marçal, responsável pela actual bibliomóvel
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José Joaquim da Cruz Dinis tinha um consultório de medicina dentária, que herdou do pai, em Abrantes. Mas o médico-dentista ribatejano tinha outra grande paixão, que alimentou durante mais de 30 anos e que o animou até ao fim da vida. Entre 1963 e meados da década de 90 foi o “motor” da Biblioteca Itinerante Nº. 32 da Fundação Calouste Gulbenkian, que levou a leitura e a descoberta do Mundo a muitas aldeias do Médio-Tejo e de alguns concelhos do norte do Alentejo.

A dedicação a esta sua “missão” e o modo fácil e simples com que comunicava com as populações da sua região contribuíram para que José Dinis marcasse de forma muito profunda o percurso de muitos (jovens e menos jovens) que ajudava nos caminhos do conhecimento. Com o evoluir dos anos foi obrigado a passar o testemunho, mas continuou sempre a ser uma referência no universo das “bibliotecas-móveis”. José Dinis faleceu, no passado dia 11, em Coimbra. E o seu exemplo é destacado por muitos.

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Foto de José Dinis montada por António Colaço

Desde logo, o site “Mediotejo.net”, num artigo de Patrícia Fonseca, lembrou que a sua carrinha Citröen “ficou gravada na memória de várias gerações” e que “muita gente aprendeu a ler com os livros recomendados por José Dinis”. A Biblioteca Itinerante Nº. 32 percorria as estradas e as aldeias dos concelhos de Abrantes, Sardoal, Mação, Vila de Rei, Ponte de Sor e Gavião, servindo uma população ávida de todo o tipo de leitura, da literatura mais séria à banda desenhada, passando pelos jornais e revistas que dificilmente chegavam às aldeias do interior.

António Colaço, artista plástico e antigo assessor de imprensa do Grupo Parlamentar do PS, foi um dos que, na aldeia de Cardigos (concelho de Mação) se habituou a esperar com ansiedade pelo regresso da carrinha do senhor Dinis. “Tinha uns 10/11 anos e a carrinha cinzenta da Citröen era um acontecimento. O senhor Dinis era uma pessoa muito recatada e em Cardigos, se não fosse por esta via, não tínhamos acesso a muita coisa. Praticamente não havia televisão e o senhor Dinis foi uma pessoa que nos marcou muito”, confessa António Colaço, em declarações ao PÚBLICO, admitindo que as horas de espera pela chegada da carrinha até o ajudaram num “namorico de escola”, porque todos se encontravam no largo da aldeia para pedir livros.

Estávamos na década de 60, ainda com o antigo regime e numa época em que a informação era muito escassa. “Ele ajudava-nos muito também porque tinha um sentido de insatisfação. Estava sempre a mostrar-nos o rumo das coisas. Era um indivíduo bem-disposto, com um humor fino. Um homem conversador e muito culto”, recorda António Colaço, frisando que, mais tarde, quando se fixou em Abrantes e se envolveu na dinamização das rádios locais, José Dinis também era uma presença habitual nos múltiplos eventos e um homem sempre interessado na vida cultural da região. “Ele tinha esse lado cívico e teve um papel na zona na fase da formação do PRD”, acrescenta António Colaço, que promete fazer um “desenheco” sobre o papel das bibliotecas itinerantes da região. “Até sempre, Grande Zé Dinis! Obrigado pela tua grande insatisfação. Pegou-se, fica descansado”, escreveu mesmo o antigo assessor, hoje com 69 anos, na sua página de facebook.

Memórias mais recentes

Mas a memória de José Dinis está marcada, também, em gerações mais recentes, como é o caso de Nuno Marçal, que trabalha há quase 15 anos no Bibliomóvel da Câmara Municipal de Proença-a-Nova e dinamiza um conhecido blog sobre esta temática. Em declarações ao PÚBLICO, Nuno Marçal assume que os 30 minutos de conversa que teve oportunidade de manter com José Dinis, em 2013, foram dos mais inesquecíveis neste seu percurso dedicado às bibliotecas itinerantes. Não conhecia o idoso (então com 80 anos) que lhe foi apresentado por outro colega, mas em poucos minutos percebeu que estava perante uma pessoa extraordinária.

José Dinis explicou-lhe que começou a trabalhar nas bibliotecas móveis em Trás-os-Montes mas que, depois, se mudou e se fixou na zona de Abrantes. Foi durante aquele que terá sido o maior encontro nacional de bibliotecas itinerantes. Participaram mais de 20 e foi organizado pela Biblioteca Municipal de Abrantes. “Fiquei sozinho a conversar com ele e rapidamente percebi que estava à frente de um ser humano muito especial, com uma capacidade de atracção imensa. Fiquei petrificado a ouvir muitas histórias, muitos episódios que viveu ao longo de mais de 30 anos. Senti que ele era um de nós, que viveu uma realidade diferente. As estradas intermináveis dos anos 60/70 não têm nada a ver com o que temos hoje. Ele abriu novos caminhos a muita gente. Nos comentários do facebook, percebe-se que 90% das pessoas foram tocadas por essa maneira que ele tinha de dar a conhecer coisas”, salienta Nuno Marçal, reconhecendo que esta conversa, interrompida por um novo painel do encontro, “foi dos momentos mais marcantes” neste seu percurso profissional. “A maneira como ele falava era contagiante. Sou um apaixonado por esta questão das unidades móveis e, em 30 minutos, percebi ainda mais como tudo isto faz todo o sentido”, conclui.

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