Nenhum líder europeu defende o fecho das fronteiras, mas todos aceitam mais restrições

Comissão Europeia vai carregar nas tintas do mapa epidemiológico europeu, para marcar com vermelho mais escuro as zonas que devem ser evitadas. Portugal suspende ligações aéreas com o Reino Unido a partir de sábado.

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Charles Michel e Ursula von der Leyen mostraram-se favoráveis à estratégia de “desencorajamento” de todas as deslocações não essenciais Olivier Hoslet/REUTERS

É um problema de comunicação, ou são as medidas para conter a propagação descontrolada da pandemia que são insuficientes, desajustadas ou tardias? Sob forte pressão da opinião pública, os 27 chefes de Estado e de governo da União Europeia estiveram reunidos em videoconferência, esta quinta-feira, num encontro originalmente convocado para fazer um ponto da situação epidemiológica e do progresso da campanha de vacinação no continente, mas que acabou por se tornar uma sessão de “brainstorming” para encontrar respostas para estas questões.

Respostas e, principalmente, soluções. Todos os líderes, nacionais e europeus, concordam que só com uma abordagem colectiva, coordenada e coerente será possível ultrapassar o actual quadro, que é negro: com os contágios a aumentar e os serviços de saúde saturados, os Estados-membros têm sido obrigados a endurecer ou prolongar os confinamentos, e a adoptar medidas restritivas da circulação interna — e nalguns casos de proibição de entradas a partir de países terceiros.

Portugal vai juntar-se à lista dos países que decidiram avançar nesse sentido: segundo comunicou o primeiro-ministro, António Costa, no final da reunião do Conselho Europeu, os voos entre Portugal e o Reino Unido serão suspensos já a partir de sábado. Os Países Baixos já acabaram com as ligações à Grã-Bretanha, África do Sul e América do Sul.

Os líderes europeus também concordam que a fórmula para travar a expansão da pandemia não passa por impedir a circulação de pessoas e mercadorias no espaço interno. Foi reafirmado por todos que devem evitar-se medidas que possam comprometer a integridade do mercado único e o funcionamento do Espaço Schengen: nenhum país quer restabelecer controlos alfandegários ou voltar a fechar as suas fronteiras, ao contrário do que sucedeu em Março de 2020.

Com a nova variante do SARS-CoV-2 a propagar-se por todo o lado, alguns governantes puseram essa hipótese em cima da mesa. “No que diz respeito à mutação do vírus, estamos conscientes da seriedade da situação e da necessidade de medidas restritivas”, declarou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. “Estamos totalmente convencidos que devemos manter as fronteiras abertas e, ao mesmo tempo, estamos convencidos que podem ser adaptadas as regras para as movimentações, por exemplo recomendações relativas às deslocações não essenciais”, acrescentou.

Até esta quinta-feira, o debate sobre o condicionamento do movimento nas fronteiras da União Europeia estava a ser feito entre países vizinhos com uma percentagem apreciável de trabalhadores transfronteiriços — caso da Bélgica, Holanda, Luxemburgo, França, Alemanha ou República Checa, onde o vaivém diário de casa para o trabalho de alguns milhares de trabalhadores implica a deslocação de um país para o outro.

O primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, apresentou aos seus congéneres uma proposta para uma interdição temporária de todas as viagens não-essenciais na União Europeia, que abarcasse o período das férias do Carnaval (entre 15 e 21 de Fevereiro). Segundo explicou, o objectivo era pôr um travão nas viagens de lazer e turismo que costumam acontecer nesta época, nomeadamente para estâncias de esqui — no Inverno de 2020, foi por aí que a pandemia começou a espalhar-se.

“Quero que fique muito claro: o que estamos a propor não é o fecho das fronteiras. Os trabalhadores transfronteiriços têm que continuar a poder movimentar-se e o comércio não pode parar”, vincou. Mas, referindo-se a recomendações anteriores, que foram desrespeitadas, De Croo considerou que os governos têm de ser mais acutilantes na sua comunicação. “Pedimos delicadamente e encarecidamente aos cidadãos para não viajar no Natal, e mesmo assim 160 mil pessoas partiram para o estrangeiro…”, lamentou.

Tanto Charles Michel como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, manifestaram simpatia pela estratégia de “desencorajamento” de todas as deslocações não essenciais. Da reunião do Conselho Europeu não saiu ainda nenhuma instrução definitiva sobre essa matéria: serão os líderes nacionais a avaliar o que é mais apropriado para o seu país.

Mapa revisto

Para o executivo comunitário, a bitola para a imposição de restrições deve continuar a ser a taxa de incidência (número de novas infecções por cem mil habitantes), que faz corresponder um conjunto de medidas a um determinado valor — medidas essas que devem ser genericamente equivalentes em todos os Estados-membros, para evitar confusões: requerimentos de testes antes da partida ou após a chegada ou períodos de quarentena.

A Comissão Europeia vai apresentar em breve uma proposta de revisão do actual mapa epidemiológico da Europa, que está praticamente todo pintado de vermelho. Segundo Ursula von der Leyen, esta passa por carregar nas tintas, e definir um tom vermelho mais escuro para as zonas a evitar.

De resto, uma boa parte da reunião (que se prolongou por quatro horas) foi dedicada à vacinação. A esperada luz ao fundo do túnel da vacina é, nesta altura, uma chama fugaz que tremelica. Para já, só duas das oito vacinas compradas pela União Europeia foram autorizadas pela Agência Europeia do Medicamento: os chefes de Estado e governo gostariam de ver mais celeridade no processo de licenciamento.

Também gostariam de poder acelerar as campanhas de vacinação, para cumprir a meta fixada pela Comissão, de chegar ao fim do Verão com 70% da população adulta vacinada. Mas, na última semana, uma “falha” no processo de produção levou a Pfizer a reduzir a sua capacidade de entregas para cerca de 35% do previsto. Como revelou fonte europeia, os líderes tinham várias questões sobre a “transparência” das farmacêuticas e o calendário de distribuição das diferentes vacinas que foram compradas pela União Europeia. “Os compromissos que foram assumidos pelas empresas têm de ser respeitados”, vincou Charles Michel.

Relativamente à discussão das isenções que poderão vir a ser concedidas aos cidadãos europeus na posse de um certificado de vacinação contra a covid-19, pouco ou nada se avançou. A ideia, que foi lançada pelo primeiro-ministro da Grécia, Kyriakos Mitsotakis, pretende facilitar as viagens e o turismo na UE, “poupando” aqueles que já tiverem sido imunizados da realização de testes à partida ou à chegada ou do cumprimento de quarentenas. 

António Costa já se mostrou favorável à ideia, que conta também com o apoio do primeiro-ministro de Malta, Robert Abela. Mas a seis meses das férias do Verão, e com a situação epidemiológica fora de controlo, os líderes não sentem grande pressão para debater o assunto. 

Esta quinta-feira, havia um consenso sobre as vantagens da emissão de um certificado de imunização (isto é, de um registo individual que provasse a administração da vacina), mas também prevalecia a opinião de que, para já, esse será um documento de uso exclusivamente médico. “Devemos poder concordar com os elementos comuns a incluir num certificado deste tipo e com este propósito sanitário”, estimou o presidente do Conselho Europeu.

“Mas só numa fase mais tardia vamos discutir os outros usos que esse certificado pode ter no futuro”, acrescentou Charles Michel. “Esse uso futuro deve ser muito bem considerado. Ainda há várias variantes científicas a considerar, e várias questões políticas e jurídicas em aberto”, completou Ursula von der Leyen. Como notou ao PÚBLICO uma fonte europeia, “essa questão só se tornará premente quando houver uma grande disponibilidade de doses no mercado e a taxa de cobertura da vacinação for muito alargada”.

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