Morreu Michael Apted, o realizador que nos trouxe Gorilas na Bruma

Começou na televisão britânica nos anos 1960 e acabou por construir uma carreira em Hollywood, fazendo filmes que não raras vezes tiveram uma mulher como protagonista. Gostava de trabalhar com actrizes porque, dizia, “a vida emocional de uma mulher é mais dramática”. Tinha 79 anos.

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Michael Apted na rodagem de Gorilas na Bruma DR

No Reino Unido o seu nome é indissociável da televisão, graças à série documental Up, mas o resto do mundo conhece-o, sobretudo, pelos filmes que fez em Hollywood, como A Filha do Mineiro (1980), Gorilas na Bruma (1980) ou o 19.º título do franchise 007, O Mundo não Chega (1999). Michael Apted morreu aos 79 anos, noticiou na noite de sexta-feira a revista Hollywood Reporter, citando os seus agentes e sem dar qualquer pormenor quanto às causas que levaram ao seu desaparecimento. 

Com a morte de Apted perde-se “um visionário destemido”, disse o presidente do sindicato norte-americano dos realizadores, Thomas Schlamme, citado pela BBC. “Todos beneficiámos da sua sabedoria e dedicação.”

Ao longo de uma carreira de mais de cinco décadas – começou em meados dos anos 1960, ainda como assistente do realizador Paul Almond, fazendo praticamente todo o trabalho de pesquisa para o programa que serviu de ponto de partida a Up, Seven Up! –​, Michael Apted nunca deixou de dar provas da sua “ligação a ideias e a ideais”, escreve o crítico de cinema do diário britânico The Guardian, Peter Bradshaw, definindo a série documental que o cineasta realizaria durante 55 anos para a televisão como “uma obra-prima épica e em construção, realizada para o pequeno ecrã mas com ambição cinematográfica”.

Up, cujo último “episódio” foi lançado em 2019 – 63 Up , pôs Apted a acompanhar a vida das 14 pessoas que conheceu em 1964 e que entrevistou para o programa de Almond. Eram, então, 14 miúdos de sete anos, sete oriundos de famílias privilegiadas e outros tantos da classe operária, descreve a BBC.

Almond ficou-se pelo primeiro “take”, mas Michael Apted continuou a visitá-los – e a filmá-los  de sete em sete anos, dando conta dos seus avanços e recuos, dos seus sonhos e conquistas, do que construíram e do que deixaram para trás. 

Up foi a tentativa de fazer um retrato de longo prazo da sociedade inglesa. O sistema de classes precisava de um pontapé no rabo”, disse Apted no ano passado, numa entrevista agora recuperada pelo Guardian, em que o cineasta definia este projecto como “a coisa mais importante” que fez na vida, declarando-se preparado para lhe dar continuidade enquanto fosse capaz de respirar e de falar.

No texto que agora assina neste diário, Peter Bradshaw não se cansa de elogiar Up e Michael Apted, nem de sublinhar a influência que ambos tiveram na produção de outros cineastas. “[Up] teve um efeito incalculável no realismo social britânico, desde os anos 1960 até hoje – bem como no pensamento da esquerda progressista –, ao pedir-nos que ruminássemos sobre a inevitabilidade, ou não, das classes, sobre as narrativas possíveis para aqueles que trabalham”, escreve o crítico. 

Primeiro as actrizes

Da televisão, Michael Apted passou para o cinema logo na década de 1970, mas teve de esperar até 1980 pelo seu primeiro sucesso. A Filha do Mineiro foi nomeado para sete Óscares, incluindo o de Melhor Filme. Sissy Spacek, a protagonista desse filme centrado na história da estrela da country Loretta Lynn, acabaria por levar para casa a estatueta dourada.

No coração de alguns dos filmes mais populares do cineasta estão também outras grandes actrizes, como Jodie Foster (Nell, 1994), Kate Winslet (Enigma, 2001) e, naturalmente, Sigourney Weaver, que se converteu na zoóloga Dian Fossey (1932-1985) em Gorilas na Bruma (1988).

Com Weaver, Michael Apted fez-nos caminhar pelas Montanhas Virunga, na actual República Democrática do Congo, seguindo as pisadas da norte-americana que durante 20 anos estudou e tudo fez para salvar os gorilas que ali viviam, ameaçados de extinção, e que acabou por ser assassinada no Ruanda

Apted gostava de trabalhar com mulheres capazes de emprestarem a sua personalidade, a força do seu próprio percurso, ao papel que lhes era atribuído. “Uma protagonista feminina traz muita emoção à história, qualquer que ela seja”, defendeu numa entrevista em 2017. “Quer seja uma mulher com gorilas ou uma cantora country, a vida emocional de uma mulher, pelo menos à superfície, é mais dramática do que a de um homem.”

Provando que nem só de filmes com uma forte carga política ou social, alguns deles centrados em mulheres, se fez a sua carreira, o currículo de Michael Apted inclui ainda títulos de puro entretenimento como 007 - O Mundo não Chega (1999) e As Crónicas de Nárnia: A Viagem do Caminheiro da Alvorada (2010). 

Em qualquer registo, em qualquer meio, Apted era um “realizador de enorme talento”, sublinham agora os produtores do franchise que fez do ficcional James Bond o agente secreto mais famoso do mundo, Michael G. Wilson e Barbara Broccoli.

O realizador Kevin Lygo opta por destacar a qualidade do seu trabalho para a televisão, garantindo que, ao longo de décadas,  Up “demonstrou as potencialidades da televisão no seu melhor, a sua capacidade de servir de espelho à sociedade, envolvendo e divertindo as pessoas ao mesmo tempo que enriquece a sua perspectiva da condição humana”.

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