Quais podem ser os efeitos da covid-19 nos doentes hospitalizados depois da recuperação? Num estudo agora publicado na revista The Lancet, que envolveu cerca de 1700 doentes de Wuhan, verificou-se que 76% têm, pelo menos, um sintoma seis meses depois da sintomatologia inicial. Já num outro estudo divulgado na última quinta-feira na revista PLOS Neglected Tropical Diseases investigou-se a seroprevalência do SARS-CoV-2 na mesma cidade chinesa e viu-se era relativamente baixa tanto em Wuhan como noutros locais da China. Mesmo assim, esses valores eram “significativamente mais altos” em Wuhan do que nos restantes locais analisados. Também se sugere que terá existido uma grande quantidade de assintomáticos depois da dita “eliminação” de casos clínicos na cidade em Abril.

O estudo publicado na The Lancet acompanhou pessoas com covid-19 hospitalizadas em Wuhan, onde o SARS-CoV-2 começou por ser detectado em Dezembro de 2019. Ao todo, seguiram-se entre Junho e Setembro 1733 doentes que tiveram covid-19 entre Janeiro e Maio de 2020 e que estiveram no Hospital JinYintan.

Ao longo desse acompanhamento, observou-se que 76% dos doentes tinham, pelo menos, um sintoma. A fadiga ou a fraqueza muscular foram os mais recorrentes com 63% dos doentes a relatarem-nos. Ainda com uma certa distância, seguem-se as dificuldades em dormir (26%) e a ansiedade ou a depressão (23%). Os indivíduos com uma doença mais grave tinham também com mais frequência a função pulmonar afectada e anomalias em radiografias ao tórax, o que poderá indicar danos no órgão.

A equipa composta por cientistas da China refere em comunicado que ainda se sabe pouco sobre os efeitos a longo prazo da covid-19 e que os estudos já feitos incluem poucos casos e um curto período temporal. “Como a covid-19 é uma nova doença, apenas agora se começam a perceber alguns dos seus efeitos a longo prazo nos doentes”, assinala Bin Cao, do Centro Nacional para a Medicina Respiratória, na China, e um dos autores. “A nossa análise indica que a maioria dos doentes continua a viver com, pelo menos, um dos efeitos do vírus depois de deixar o hospital e chama a atenção para a necessidade de cuidados após a alta hospitalar.”

Neste estudo também se analisaram os níveis de anticorpos neutralizantes de alguns indivíduos. Em 94 deles viu-se que houve uma descida desses níveis para mais de metade (52,5%) depois de seis meses da infecção. Apesar de a equipa levantar questões sobre a reinfecção do vírus, também refere que é necessário estudar mais amostras de doentes para esclarecer, de facto, esta questão.

Falando em anticorpos, esta semana uma equipa de cientistas dos Estados Unidos publicou um estudo na revista Science em que se concluiu que a imunidade protectora ao vírus pode durar até oito meses. Neste trabalho, analisaram-se amostras de sangue de 188 indivíduos que tiveram covid-19 e verificou-se que grandes intervenientes (anticorpos e linfócitos T) do sistema imunitário adaptativo podem durar até esses oito meses após o início dos sintomas da infecção. Precisamente sobre o declínio de anticorpos, a equipa considera que essa descida é “muito normal”.

Assintomáticos em Wuhan

Voltemos a Wuhan. O pico das infecções na cidade aconteceu em Fevereiro de 2020 e a cidade foi declarada livre da doença em Abril, aponta-se num comunicado sobre o estudo publicado na PLOS Neglected Tropical Diseases. Depois, houve ainda alguns surtos. Mas qual foi mesmo o número de infectados nesta cidade e noutras na China?  

Para o saber, uma equipa liderada por cientistas da Universidade de Wuhan analisou a seroprevalência (proporção de casos de infecção na população) do coronavírus através de testes aos anticorpos. Se a pessoa tiver anticorpos IgG, isso significará que esteve já infectada. Se o teste revelar que tem anticorpos IgM, isso indicará que está infectada ou esteve há pouco tempo. Além disso, estes testes podem ajudar a saber melhor qual foi mesmo o número de assintomáticos.

Estudou-se então a prevalência desses anticorpos em amostras de sangue de 63.107 pessoas na China recolhidas entre 6 de Março e 3 de Maio. Dessas, 11.086 eram de Wuhan.

A seroprevalência dos anticorpos SARS-CoV-2 em Wuhan foi de 1,68% (186 em 11.086 pessoas). Com base nesse valor e tendo em consideração que a cidade tem cerca de dez milhões de habitantes, estima-se que 168 mil pessoas tenham estado infectadas. Até agora, a cidade reportou cerca de 51 mil casos.

Já na restante província de Hubei (Wuhan é a capital da província) foi de 0.59% (226/38.171) e noutras regiões da China esses valores ficaram, em média, em 0,38% (53/13.850). No artigo, sugere-se assim que “a seroprevalência do SARS-CoV-2 é significativamente mais alta na cidade de Wuhan do que noutras cidades da província de Hubei e noutros locais na China”.

Como se obteve uma taxa de anticorpos IgM (os tais que indicarão uma infecção recente) de 0,46% em Wuhan, os investigadores estimam que milhares de pessoas tenham sido infectadas e ficado assintomáticas entre Março e Maio, já quando não eram reportados tantos casos a nível clínico. “Concluímos que um grande número de portadores assintomáticos de SARS-CoV-2 existiram depois da eliminação dos casos clínicos de covid-19 na cidade de Wuhan”, referem os investigadores, citados no comunicado. E conclui-se no artigo: “O SARS-CoV-2 pode existir na população sem que haja casos clínicos.”

No artigo, também se questiona porque é que poucas pessoas ficaram doentes. Sugere-se então que as estirpes que causaram as infecções assintomáticas sejam estirpes virais atenuadas. “Estirpes que não são virulentas podem causar ainda sintomas em indivíduos extremamente susceptíveis e podem também voltar a ser uma estirpe altamente virulenta que reacenderá a epidemia de covid-19 na China”, alertam, referindo que é difícil identificar essas estirpes. 

Um outro estudo divulgado no final de Dezembro e feito pelo Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) da China estimou que o número de infectados em Wuhan terá sido quase dez vezes superior ao reportado. Essa investigação analisou a taxa de prevalência de anticorpos de 34 mil habitantes de Wuhan.