Imunidade protectora contra o SARS-CoV-2 pode durar até oito meses após a infecção

Estudo analisou a memória imunitária de 188 pessoas que tiveram covid-19 nos Estados Unidos.

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Vírus SARS-CoV-2 NIAID

Ainda continua em aberto: qual é mesmo a imunidade protectora contra o SARS-CoV-2? Uma equipa de cientistas dos Estados Unidos analisou amostras de sangue de 188 indivíduos que tiveram covid-19 e verificou que grandes intervenientes (anticorpos e linfócitos T) do sistema imunitário adaptativo podem durar até oito meses após o início dos sintomas da infecção. Num artigo da revista Science publicado online concluiu-se assim que a imunidade protectora ao vírus pode durar até oito meses. Num comunicado do trabalho, a equipa sugere mesmo que pode perdurar além desses oito meses e até chegar a anos.

Para este estudo foram recrutados 188 indivíduos (80 homens e 108 mulheres) que tiveram covid-19 e que vivem em diferentes locais dos Estados Unidos. Esta amostra representa casos de covid-19 assintomáticos, ligeiros, moderados e graves.

Observou-se então que anticorpos contra o vírus persistem na corrente sanguínea meses depois do início da infecção, destaca a equipa num comunicado sobre o trabalho. Além disso, salienta-se que se detectaram linfócitos B de memória (células imunitárias). “Se uma pessoa encontrar o SARS-CoV-2 outra vez, esses linfócitos B de memória podem ser reactivados e produzir anticorpos para lutar contra uma reinfecção”, explica-se.

A equipa também procurou linfócitos B já dirigidos à proteína da espícula, que é responsável pela entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas. Acabou mesmo por se verificar que linfócitos B de memória específicos para essa proteína aumentam no sangue seis meses depois da infecção. Os recuperados de covid-19 tinham também uma “armada” de linfócitos T (outras células imunitárias) prontas para a luta contra a reinfecção, nomeadamente linfócitos T CD4+ (que desencadeiam uma resposta imunitária caso se avistasse o SARS-CoV-2) e os linfócitos T CD8+ (que conseguem destruir as células infectadas).

Sugere-se então que, todos juntos, estes anticorpos e células trabalham, pelo menos, oito meses a seguir ao início da infecção, de acordo com o comunicado. Com mais detalhe, no artigo científico refere-se que “a memória imunitária em pelo menos três compartimentos imunitários foi mensurável em cerca de 95% dos indivíduos entre cinco e oito meses após o início dos sintomas, indicando que a imunidade duradoura contra uma outra infecção é uma possibilidade na maioria dos indivíduos”, lê-se. A memória imunitária permitirá desenvolver mais rapidamente a segunda fase da resposta imunitária da próxima vez que o mesmo agressor tentar penetrar no organismo. No comunicado, os autores do trabalho até chegam a especular que pode durar “talvez anos depois da infecção”.

“O nosso estudo sugere que a resposta imunitária existe e se mantém”, assinala no comunicado Alessandro Sette, investigador do Instituto La Jolla de Imunologia e um dos líderes do trabalho. “Há uma boa possibilidade para as pessoas terem uma imunidade protectora, pelo menos, contra uma doença grave, por esse período de tempo [oito meses] e, provavelmente, até mais”, diz por sua vez Shane Crotty, também do Instituto La Jolla de Imunologia.

Em Dezembro, também investigadores australianos tinham sugerido na revista Science Immunology que a memória imunitária poderia proteger as pessoas que tiveram covid-19 da reinfecção durante até oito meses. A sua amostra era composta por 25 pessoas que tinham tido covid-19. Num estudo liderado pelo Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Universidade de Lisboa também já se tinha mostrado que os anticorpos contra o vírus SARS-CoV-2 foram detectados até sete meses após a infecção em 90% dos indivíduos analisados. Esse trabalho foi publicado na revista European Journal of Immunology no final de Outubro.

Outras questões

E poderá o estudo publicado agora na Science dar-nos indicações para a imunidade da vacinação? A equipa diz que “é possível que seja um bom indício para quem está a desenvolver vacinas”, mas Daniela Weiskopf (também do Instituto La Jolla de Imunologia e autora do trabalho) relembra que apenas se investigou a resposta à infecção natural do vírus. “É possível que a memória imunitária tenha uma duração semelhante após a vacinação, mas teremos de esperar até que os dados cheguem para termos a certeza.”

No comunicado, a equipa faz ainda outras chamadas de atenção. Por exemplo, destaca que “a imunidade protectora varia consideravelmente de pessoa para pessoa”, referindo que se observou uma variação de 100 vezes na magnitude da memória imunitária. As pessoas com uma memória imunitária mais fraca podem ser mais vulneráveis a um novo caso de infecção no futuro ou até infectar com mais probabilidade outras pessoas, indica-se.

Quanto ao declínio de anticorpos verificado por outras equipas, Alessandro Sette esclarece que essa descida é muito normal. “Ao longo do tempo, a resposta imunitária diminui até a um certo ponto, mas isso é normal. É isso que as respostas imunitárias fazem. Elas têm uma primeira fase de aceleração e, depois dessa fantástica expansão, o sistema imunitário contrai-se um pouco e estabiliza.”

Nos próximos meses, a equipa espera continuar a analisar amostras de doentes com covid-19 e acompanhar as suas respostas entre 12 e 18 meses depois dos sintomas iniciais. Também se pretende perceber como é que a memória imunitária difere entre pessoas de diferentes idades e como é que isso pode influenciar casos mais graves.

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