Portugueses realizaram uma média de 34 mil testes por dia em Dezembro

Junte-se um eventual “laxismo” no Natal e Ano Novo ao regresso às aulas e ainda a “euforia da vacina” e a nova estirpe a circular e temos já razões de sobra para nos preocuparmos com a evolução da pandemia.

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Daniel Rocha

Há ainda poucos dados sobre o impacto dos convívios (ainda que limitados) do Natal e Ano Novo na evolução da pandemia em Portugal, mas já há muitas razões para estar preocupado. A um contexto de risco aumentado pelos inevitáveis contactos de Dezembro somam-se agora o regresso às aulas, a nova estirpe mais transmissível a circular e a “euforia da vacina”. No rasto da infecção, percebe-se ainda que os portugueses realizaram já mais de 5,6 milhões de testes (PCR e antigénio) e que 2,1 milhões, mais de um terço (37,5%), desses testes foram realizados apenas nos meses de Novembro e Dezembro. Não é de espantar, por isso, que os médicos alertem para um aumento de novos casos a chegar aos hospitais nos primeiros dias de Janeiro.

O Presidente da República já anunciou que pretende prolongar o estado de emergência até 15 de Janeiro, esperando que, entretanto, no dia 12, surjam dados concretos dos especialistas sobre a evolução da pandemia em Portugal. No entanto, já existem alguns dados preocupantes.

A pressão

Ao início da manhã desta segunda-feira, Nelson Pereira, coordenador do serviço de Urgências e Medicina Intensiva do Hospital de S. João, no Porto, foi dos primeiros a lançar o alerta para os primeiros sinais de aumento de novos casos em Janeiro. Admitindo que o agravamento da situação já era esperado nesta altura pós-festas, o médico referiu aos jornalistas que a unidade de hospitalar já passou este mês a barreira dos 100 casos suspeitos por dia, sendo que a taxa de resultados positivos está entre os 25 e os 30%, que significa um regresso aos valores de Novembro. “O número de contactos aumenta e aumenta o número de novos casos”, constatou o especialista, que pediu que se reforcem agora as conhecidas medidas de protecção e prevenção. “A situação está longe de estar resolvida”, sublinhou, notando ainda que esta segunda-feira estavam 101 doentes internados (46 em estado considerado crítico nos cuidados intensivos) com covid-19 no hospital do Porto e que, por isso, “qualquer aumento terá um impacto muito, muito significativo”.

E o pior ainda estará para vir, avisa o pneumologista Carlos Robalo Cordeiro. “Estamos a verificar já uma pressão cada vez maior no SNS e com certeza que ainda não é um reflexo de todo este período de maior convívio entre as pessoas, é cedo para isso”, diz ao PÚBLICO, acrescentando que só talvez a meio desta semana será possível avaliar o impacto do Natal e também de compras, seguido dos saldos, e só depois do fim de ano. Sem olhar para mais longe, o médico confirma a pressão no Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra, onde exerce, e que nunca desapareceu, nem quando os novos casos pareciam estar a abrandar. O alívio nunca chegou aos hospitais.

“As urgências estão completamente bloqueadas, os serviços de covid estão completamente cheios, incluindo cuidados intensivos. A situação está a ficar um pouco crítica e não estamos ainda a sentir os reflexos de tudo o que se passou nos últimos 15 dias”, afirma. Muito provavelmente teremos pela frente um mês triste, defende o especialista, que encontra algumas falhas nas medidas e mensagem escolhidas para Dezembro. Parece que a pretexto de normalizar o Natal tanto quanto possível depois de um ano tão triste houve espaço para um excesso de confiança que agora se pode pagar caro. E, nota Carlos Robalo Cordeiro, a chegada da “euforia da vacina” que ajudou a criar a ilusão de uma segurança que ainda não pode nem deve existir. “É preciso manter um discurso de exigência e de cumprimento de regras. Sei que as pessoas estão saturadas e que isto é pedir muito, mas não podemos baixar a guarda”, pede o especialista.

Procura de testes

Além do número de pessoas a entrar nos hospitais que ainda poderá demorar mais uns dias a reflectir o impacto da época de festas, outro dos sinais da evolução da pandemia pode estar na elevada procura dos testes de diagnóstico. Os dados publicados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) mostram que Novembro e Dezembro foram os meses que bateram todos os recordes, sendo que a véspera da véspera de Natal (23 de Dezembro) foi o dia com mais testes realizados em todo o ano de 2020, com um total de 59.249 mil testes (46.348 mil testes PCR e 12.901 de antigénio). Dois dias depois, 25 de Dezembro, o número de testes cai para o valor mínimo deste mês com 9803 testes realizados.

Apesar de Dezembro incluir o dia com mais testes realizados e de os dados publicados pela DGS não incluírem ainda o dia de 31 de Dezembro, os valores mensais mostram que Novembro terá ainda assim ficado ligeiramente acima com um total de mais de um milhão e 131 mil testes. Os dois últimos meses do ano somados representam mais de 2,1 milhões de testes, ou seja, mais de dois terços do total de 5,6 milhões realizados em Portugal. A média diária tem vindo a subir mês após mês, desde os 2500 por dia em Março, para cerca de 26 mil testes em Outubro, até, finalmente uma média de 37 mil em Novembro e 34 mil em Dezembro (sem o dia 31 incluído nas contas).

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O alívio nunca chegou aos hospitais Manuel Roberto

É muito provável que a elevada procura dos testes tenha sido sobretudo motivada por uma precaução das pessoas neste mês de Dezembro, para confirmar que não havia um resultado positivo antes do convívio do Natal e Ano Novo. No entanto, os dados também reflectem um aumento dos contactos de risco e da intenção destes encontros. Mas este ligeiro “travo” a normalidade que pode ter existido no Natal de algumas famílias pode ter consequências e os efeitos (se existirem) só agora vão começar a aparecer nos números oficiais. Porém, para Carlos Robalo Cordeiro mais do que o número de testes realizados importava saber a taxa de positivos. Por outro lado, o médico nota ainda que muitos dos testes rápidos (de antigénio) realizados nos dias antes do Natal podem ter dado um resultado pouco fiável, uma vez que só detectam cargas virais elevadas, deixando passar outras situações.

Aulas e nova estirpe

Mais distante ainda, mas também com um possível impacto no início deste ano, há ainda o regresso às aulas, com milhares de alunos e professores de volta à escola para o segundo período do ano lectivo. Apesar de o papel dos mais novos na pandemia se encontrar menos valorizado, a verdade é que alguns países já anunciaram a intenção de retomar agora as aulas à distância.

Entre outras novas restrições para prevenir uma nova vaga da epidemia de covid-19, a primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, pediu este domingo aos noruegueses que não recebessem visitas em casa nas próximas duas semanas, depois de já ter anunciado no sábado que as aulas presenciais nas universidades estavam suspensas. Em Portugal, também já há quem defenda que o ensino secundário funcione dentro de um regime misto, com algumas aulas em ensino à distância.

Entretanto, a presença da nova estirpe do coronavírus em Portugal também pode vir a ter um peso nos factores que contribuem para o agravar da situação. Os especialistas do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge avançaram este fim-de-semana que já foram detectados 16 novos casos no Continente, que devem ser somados aos 18 confirmados na Madeira. Ao que tudo indica, a infecção pela nova estirpe não traz diferenças do ponto de vista clínico, uma vez que os sintomas serão os mesmos, no entanto, os dados disponíveis revelam que esta variante pode ser mais transmissível. Ou seja, o impacto a verificar-se será mais na quantidade de novos casos do que na gravidade dos casos. Ainda assim, é mais um bom argumento para o reforço das medidas de protecção, como o uso de máscara e distanciamento.

A questão da nova estirpe também terá pesado na decisão de Marcelo Rebelo de Sousa, que quer prolongar o estado de emergência por mais uma semana, além de 7 de Janeiro e até dia 15. O Presidente da República referiu este domingo num debate que está “muito preocupado” com “o galope da nova variante no Reino Unido”, e apesar das “novas medidas” tomadas na Madeira, sublinhou que “há outra vez uma pressão sobre os internamentos e os cuidados intensivos” no país que justificam a sua preocupação. “Houve um laxismo nos últimos dias”, disse, acrescentando que quer evitar “até ao limite” um novo confinamento, mas é preciso ouvir os especialistas. A data oficial para a apresentação dos dados pelos especialistas sobre a evolução da pandemia e do impacto das festas é 12 de Janeiro, no entanto, é mais do que certo que até lá o país vai ouvir muitos peritos a falar sobre este tema. 

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