Dia 129: o que cabe aos pais?

Às mães cabe-lhes deixar que os pais sejam pais, e pais à maneira deles, e isso é que não é nada fácil. Mas, à medida que perceberem a liberdade e o tempo que essa verdadeira partilha de responsabilidades e prazeres lhes dá, é provável que doa menos.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida mãe, 

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Hoje tenho perguntas! 

Será que nós, sinónimo de nós todos/sociedade, na ânsia de valorizar e apoiar as mães, na ânsia de defender os seus direitos em busca de uma igualdade de direitos, não nos esquecemos do pai. Dos homens. Remetemo-los para o Dia do Pai, falamos deles quando estão a fazer um papel que valoriza o nosso — “É o pai perfeito porque faz bem o papel de mãe” —, ou pior, quando estão a falhar essa “meta”.

Mas o que andam mesmo os pais a sentir com todas estas mudanças, daquilo que a sociedade espera deles enquanto pais? E não há o risco de se substituir um mantra politicamente correto por outro, igualmente estereotipado — passando do “Homens a sério não cuidam de bebés” para o “Homens a sério adoram andar com os bebés na manduca”. Será que, mais uma vez, queremos ditar o que devem sentir? 

E, apesar daquilo que afirmamos desejar num homem, mais empatia, mais capacidade de falar das suas emoções, mais sentimentos à flor da pele, será que as mulheres estão mesmo prontas para ver os homens chorar? Estamos prontas para receber essa vulnerabilidade? Nos nossos maridos e nos nossos filhos? É que acredito que nunca haverá igualdade entre homens e mulheres se não ajudarmos as crianças de ambos os sexos a se deixarem sentir! 

Sei que a mãe não é porta-voz dos homens, mas já desde a Pais&Filhos que anda sempre a pensar estas coisas, por isso conte-me: como acha que andam os pais da minha geração? 

Beijinhos


Querida Ana,

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Hum, obrigada pela pergunta, embora sinceramente a única coisa que tenho vontade de fazer é assinar por baixo das suas interrogações. Também eu suspeito que há muitos, muitos pais que não sabem o que fazer com a ditadura que lhes diz o que é suposto fazerem e sentirem, entalados entre o modelo de pai que tiveram e o pai que a publicidade, as redes sociais e as séries lhes mostram — e que as esposas também viram e querem para si.

Mas pedes-me para te dizer o que vejo daqui, do lugar privilegiado de avó e de mãe de filhos adultos.

Começo pelos pais, que apesar de tudo parece-me um capítulo mais arrumadinho.

O que vejo são pais muito melhores do que os pais das gerações anteriores. De todas. Pais que se vinculam aos bebés já durante a gravidez, que assistem ao parto e vivem cada momento dessa experiência, que descobriram a satisfação emocional de uma relação de proximidade e intimidade com os filhos pequeninos, mesmo antes da idade de os levar “à bola”. Que lidam com as raparigas, como lidam com os “varões”, e que embora ainda muito dependentes das “instruções” das mães, o são cada vez menos, ao ponto de suspeitar que muitas vezes solicitam orientações mais para que elas não os chateiem depois, do que propriamente porque precisam delas. Parece-me mesmo que é um movimento sem perigo de retrocesso, porque serão cada vez mais os pais a reivindicar esse “papel”.

Às mães cabe-lhes deixar que os pais sejam pais, e pais à maneira deles, e isso é que não é nada fácil. Mas, à medida que perceberem a liberdade e o tempo que essa verdadeira partilha de responsabilidades e prazeres lhes dá, é provável que doa menos. E não falo de dor ao calhas. Dói um bocadinho.

Sigo para os Homens, enquanto maridos. Suspeito que estão muito confusos, repetindo a si mesmos a questão que o próprio Freud se colocou: “Mas afinal o que é que querem as mulheres?”. Porque se, por um lado, desejam homens capazes de pôr nome aos sentimentos, de falar sobre si, por outro, como tu dizes, muitas vezes continuam agarradas à imagem de um homem forte, protetor, que não tem medo de nada, e na realidade desprezam — ou no mínimo, desconfiam — de um homem que chora... Sabes, parece-me que também os homens têm de aprender, por exemplo, a não rotular logo de “máscula”, ou pior, uma mulher que ascende a um cargo de chefia e “dá ordens”, ou é muito assertiva, como se o poder fosse uma fonte de testosterona.

Desculpa Ana, calo-me já, mas não sem antes falar de educação, onde o futuro se joga. Se, como tu dizes, não formos capazes de deixar que as crianças, independentemente de serem rapazes ou raparigas, se conheçam a si mesmas, se sintam livre de por nomes aos seus sentimentos, e de dos discutir abertamente com quem entenderem, não vamos passar muito da cepa torta. E aí, desconfio, que as coisas não mudaram tanto como imaginamos. E se calhar nem podiam mudar, porque quem as educa e lhes dá o exemplo, dentro e fora de casa, somos nós. E nós ainda temos a cabeça muito formatada para que os homens não choram... Mas, pelo menos, já estamos mais atentos aos nossos próprios preconceitos, e entre três que nos escapam, há um que conseguimos apanhar e desfazer em tempo útil.

Diz-me o que pensas de tudo isto, porque neste bate-bolas sempre vou arrumando a cabeça.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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