Fitossanidade: “Portugal tem dado passos muito tímidos”, avisa o reitor da UTAD

“É preciso dar voz às questões emergentes da sanidade vegetal”, que ainda não são “uma prioridade do país”. António Fontainhas Fernandes avisa que o tema deve ser enquadrado no conceito “one health” e constituir uma das linhas de investigação da agenda do conhecimento da agricultura para 2030.

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NELSON GARRIDO (arquivo, 2018)

Está a chegar ao fim o ano 2020, que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) declarou como o Ano Internacional da Fitossanidade. Portugal não ficou de fora do calendário, mas o reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) considera que temos dado “passos muito tímidos” nesse combate e na aposta que é preciso fazer numa “agricultura mais eficiente e sustentável”. António Fontainhas Fernandes alerta: “É vital” o reforço de meios técnicos para mitigar “os riscos de introdução e dispersão de novos agentes bióticos nocivos” nos ecossistemas florestais.

Na semana passada, arrancou na UTAD um ciclo de webinars para assinalar o Ano Internacional da Fitossanidade. Que grandes objectivos se propõem atingir com a iniciativa?

O Ano Internacional da Fitossanidade é o motivo para lançar um conjunto de debates sobre os principais desafios societais e o seu impacto na agricultura. Numa altura, em que o mundo começa a notar a relação entre o aparecimento de vírus emergentes e a degradação do planeta, as doenças em plantas não podem ser desligadas do conceito de “uma só saúde” (“one health), que reconhece a inexistência de fronteiras entre pessoas, animais, plantas e o ambiente.

Dito isto, pretende-se assinalar a data iniciando este ciclo com um debate sobre os principais problemas fitossanitários em Portugal. E avaliar estratégias para reduzir a incidência de doenças das plantas com impacto na saúde e bem-estar da população humana e no ambiente. Mas, os desafios abrangem também a monitorização de novos inimigos e o seu controlo, a utilização de produtos com menores efeitos tóxicos ecotoxicológicos e, simultaneamente, mais eficazes e oportunos.

A FAO declarou 2020 como Ano Internacional da Fitossanidade. O que fez Portugal de significativo durante este ano que nos permita dizer, enquanto país, que combatemos, de facto, os problemas fitossanitários que nos atingem?

Indubitavelmente, 2020 ficará marcado pela covid-19, sendo que as doenças animais transmissíveis ao homem têm uma atenção prioritária. Contudo, temos de perceber que o problema é mais vasto. E, como tal, exige uma abordagem interdisciplinar e uma actuação multi-sectorial. Estamos cientes de que é necessário apostar numa agricultura mais eficiente e, sobretudo, mais sustentável, o que exige uma aposta no conhecimento e na inovação. O país está consciente da importância do sector agro-alimentar, quer numa óptica de auto-abastecimento alimentar, quer do ponto de vista da economia, mas, efectivamente, ainda não é uma prioridade do país.

Mas demos, ou não, um salto qualitativo e quantitativo a esse nível?

Considero que Portugal tem dado passos muito tímidos. E, como tal, compete às instituições de ensino superior e aos investigadores alertar a sociedade para as ameaças globais nas diferentes áreas do conhecimento.

Fundamental apostar em mais formação”

O título de uma das comunicações num dos webinars promovidos pela UTAD é “Os problemas fitossanitários são silenciosos”. Devemos estar preocupados com a sanidade vegetal em Portugal?

É preciso dar voz às questões emergentes da sanidade vegetal. Efectivamente, a sanidade vegetal, como disse, deve ser enquadrada no conceito “one health”. E constituir uma das linhas de investigação da agenda do conhecimento da agricultura para 2030, a par da gestão sustentável dos recursos naturais e genéticos, da inovação e digitalização na agricultura, do combate às alterações climáticas e da valorização do espaço rural.

O ICNF revelou ao PÚBLICO, em meados de Setembro, que, no que respeita à execução do Programa Operacional de Sanidade Florestal 2014-2020, “foram já total ou parcialmente cumpridos cerca de 70%” dos indicadores e metas estabelecidos. São resultados escassos? 

O [artigo do] PÚBLICO mostra que a dimensão do problema não se restringe ao cumprimento dos indicadores e metas do programa operacional de sanidade vegetal. É vital o reforço da estrutura técnica dos serviços para minimizar os riscos de introdução e dispersão de novos agentes bióticos nocivos, de forma a reduzir os danos nos ecossistemas florestais. Mas, também é fundamental apostar em mais formação, à qual acrescento a necessidade de mais investigação e conhecimento sobre os diferentes agentes bióticos nocivos, métodos de monitorização, meios de combate, entre outros.

PRR “colocou de fora as universidades”

O combate às pragas e doenças não vai certamente esgotar-se em 2020. Que passos é preciso dar para que o país seja capaz de continuar este trabalho de forma eficaz?

O combate às pragas e doenças não pode dissociar-se das questões globais de defesa do planeta. E deve, obrigatoriamente, ser uma das linhas prioritárias da agenda de inovação da agricultura para 2030, tendo em linha de conta as orientações e compromissos dos objectivos de desenvolvimento sustentável da ONU e do pacto ecológico europeu. É necessária uma visão integrada e multidisciplinar, a par de uma actuação intersectorial, sempre numa perspectiva integradora da saúde dos ecossistemas a várias escalas, abolindo fronteiras entre o ser humano, animais, plantas e ambiente.

Sabendo que a escassez de meios técnicos e humanos é uma realidade em Portugal, em que medida é que o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e o próximo PDR 2021-2027 deveriam afectar apoios financeiros para esta vertente?

Entendo que o Programa de Recuperação e Resiliência colocou de fora as universidades. E ainda há tempo para corrigir esta trajectória. Perante a crise que vivemos, temos de estar cientes de que não há conhecimento sem um sistema de ensino superior forte e dinâmico. E é da universidade e do sistema científico que depende a possibilidade de mudar comportamentos e dar resposta aos modernos desafios da sociedade.

Quanto ao PDR, forçosamente deverá incluir linhas de financiamento para as questões da saúde animal e da sanidade vegetal, enquanto eixo estratégico da agenda de inovação anunciada pelo Governo.

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