Tribunal de Almeida diz ser impossível punir infectados que tenham saído de casa durante o primeiro estado de emergência

Juiza do Tribunal de Almeida subscreve o entendimento do acórdão da Relação de Guimarães de que o Governo exorbitou as suas competências ao criar um novo tipo de crime e que este é inconstitucional.

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Os tribunais de primeira instância já estão a aplicar os argumentos do Tribunal da Relação de Guimarães que, em Novembro, considerou inconstitucional o crime de desobediência patente no primeiro estado de emergência. Rui Gaudencio

Os tribunais de primeira instância já estão a aplicar os argumentos do Tribunal da Relação de Guimarães que, em Novembro, considerou inconstitucional o crime de desobediência criado pelo primeiro estado de emergência (que durou de Março a Maio). Os desembargadores anularam a condenação, pelo Tribunal de Chaves, de um homem que violara o isolamento profiláctico determinado pela autoridade local de saúde.

Desta vez foi o Tribunal de Almeida, no distrito da Guarda, que absolveu do crime de desobediência um homem de 28 anos obrigado a confinamento domiciliário por se encontrar em vigilância activa de contactos, em virtude da eventual infecção pelo vírus SARS-CoV2 (Covid-19), entre 20 de Março e 3 de Abril de 2020.

Um dia antes de terminar o respectivo período de confinamento, pouco passava da hora de almoço, os militares da GNR foram bate-lhe à porta para verificar se estava em casa. Não estava, tendo sido mais tarde encontrado a circular na estrada, na sua viatura.

Para a juíza do tribunal de Almeida que ilibou o arguido, é impossível punir infectados, ou pessoas em vigilância activa, que saíram de casa durante o primeiro de estado de emergência, porque o Governo precisava de autorização prévia da Assembleia da República para criar, de forma geral e abstracta, um crime de desobediência específico, neste caso relacionado com a violação das normas sanitárias.

Em causa está o decreto de 20 de Março passado aprovado em Conselho de Ministros, que permitiu ao Presidente da República decretar o estado de emergência.

E o que diz o decreto?

No decreto, entre várias situações, o Governo determina que ficam em confinamento obrigatório, em estabelecimento de saúde ou no respectivo domicílio, os doentes com covid-19 e os cidadãos relativamente a quem a autoridade de saúde ou outros profissionais de saúde tenham determinado a vigilância activa. Diz ainda este diploma que “a violação da obrigação de confinamento constitui crime de desobediência”.

Para a juíza do Tribunal de Almeida, as considerações feitas no decreto demonstram a preocupação do Executivo em conter a propagação do vírus, mas não podem fazer esquecer o respeito devido pelos fundamentos democráticos.

E porquê?

Aqui a magistrada de Almeida subscreve o teor do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que diz que “a criação de um novo tipo de crime vai, obviamente, muito para além da competência administrativa invocada para a regulamentação do estado de emergência, pelo que não há dúvida de que o Decreto 20-A/2020 ao definir um novo tipo de crime, invade a competência legislativa que lhe não compete e que só competiria se tivesse sido prevista por uma lei de autorização legislativa.”

E lembra que o Tribunal da Relação de Guimarães sublinha ainda “que a preocupação em conter a propagação do vírus não pode fazer esquecer “o respeito devido pelos fundamentos democráticos da sociedade”, porque “a democracia não poderá ser suspensa”. 

Assim, a magistrada subscreve o entendimento do acórdão da Relação de Guimarães de que o Governo exorbitou as suas competências ao criar um novo tipo de crime. “A criação de um novo tipo de crime vai, muito para além da competência administrativa invocada para a regulamentação do estado de emergência, pelo que o Decreto 20 ao definir um novo tipo de crime, invade a competência legislativa que lhe não compete e que só competiria se tivesse sido prevista por uma lei de autorização legislativa”, argumenta. 

O tribunal só admite que possam ser punidos por desobediência as pessoas que, tendo estado infectadas nesta altura ou sob vigilância activa, se tenham recusado a voltar para o confinamento depois de apanhadas na rua pelas autoridades. 

Segundo dados oficiais, entre 22 de Março e 9 de Abril, a GNR e a PSP detiveram 175 pessoas pelo crime de desobediência, 47 das quais por violação do confinamento obrigatório. com Ana Henriques

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