Covid-19: há 175 detidos por desobediência, mas só 18 julgamentos

Há julgamentos sumários adiados por não haver condições sanitárias para os realizar, diz Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

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A PSP e GNR têm mais de 35 mil efectivos na rua para controlar a aplicação das medidas do estado de emergência. Nelson Garrido

Entre 22 de Março e 9 de Abril, a GNR e a PSP detiveram 175 pessoas pelo crime de desobediência, 47 das quais por violação do confinamento obrigatório. Mas até agora apenas 18 foram julgadas por este ilícito, o que, neste tipo de casos, costuma ocorrer logo nos dias seguintes.

Foi o próprio Conselho Superior da Magistratura (CSM) que informou, esta quinta-feira, que das situações referentes a crimes de desobediência, identificadas pelas autoridades desde que a pandemia de covid-19 deu origem à determinação do estado de emergência, apenas 18 tiveram julgamento imediato, no âmbito dos chamados processos sumários.

Na comarca de Lisboa, a maior do país, a juíza presidente assegura que ainda ninguém foi julgado por violar as regras do estado de emergência. “Até hoje em Lisboa não foi apresentado a tribunal ninguém por violar o estado de emergência”, garante Amélia Almeida. A magistrada admite que, na capital, as polícias estejam a actuar mais de forma preventiva do que repressiva, mas não tem mais informação disponível. Também o juiz-presidente da comarca do Porto confirma que os julgamentos sumários têm sido a excepção e não a regra. José Rodrigues da Cunha acredita que uma boa parte dos casos estão a ser remetidos para investigação e outra está a ser encaminhada para a suspensão provisória do processo (um tipo de acordo que o Ministério Público faz com o arguido e que evita o julgamento.

O arquivamento é outra possibilidade. António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, confirma que já houve pessoas detidas pelo crime de desobediência que acabaram por ver o caso arquivado pelos próprios procuradores. António Ventinhas também conhece situações em que os julgamentos sumários tiveram que ser adiados porque os tribunais não tinham condições de higiene e segurança (por exemplo máscaras ou luvas) para realizar a diligência.

Já no que diz respeito às divergências de interpretação da lei, o problema relaciona-se com o conteúdo dos dois decretos que regulamentam o estado de emergência. É que se relativamente ao confinamento obrigatório a que estão sujeitas as pessoas que estão infectadas com o novo coronavírus os diplomas dizem expressamente que quem violar esse dever incorre num crime de desobediência, o mesmo não acontece com o artigo que determina o dever geral de recolhimento domiciliário (fora das excepções previstas nos dois diplomas). Problema similar ocorre com os artigos que estipulam o encerramento de estabelecimentos e a suspensão de actividades.

A questão que alguns têm colocado é se essa omissão dos decretos impede que, nos casos em que as polícias dêem uma ordem a um cidadão e este a desrespeite, tal pode constituir um crime de desobediência.

O gabinete da procuradora-geral emitiu uma informação sobre o assunto após ter tido conhecimento de um caso, que lhe foi reportado pela PSP, em que dois cidadãos acabaram libertados por ordem da juíza de instrução. A magistrada entendeu que como o decreto que regula o estado de emergência não previa expressamente que quem violava o recolhimento domiciliário incorria num crime de desobediência o ilícito não existia. O gabinete da procuradora-geral defendeu uma posição contrária, sustentando que as forças de segurança têm a obrigação de fiscalizar o cumprimento das regras do estado de emergência e que “nas situações de recusa de acatamento da ordem legítima” por elas dadas os cidadãos cometiam o crime de desobediência, que, na versão simples, é punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias e, na versão qualificada, com pena de prisão até dois ano ou multa até 240 dias.  

Questionada pelo PÚBLICO a Procuradoria-Geral da República que confirmou que já ocorreram recomendações de uniformização a nível regional, mas que ainda não foi feita uma directiva geral.

Tribunais querem retomar actividade 

O CSM quer que os tribunais regressem, tanto seja quanto possível nesta altura, à sua actividade normal. Mas o Ministério da Justiça não lhes está a facultar meios suficientes para que isso possa acontecer – e que passam sobretudo, segundo os responsáveis este órgão, pela disponibilização de salas de audiências virtuais que permitam fazer julgamentos.

Segundo o vice-presidente do CSM, José Lameira, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos do Ministério da Justiça apenas facultou um total de 157 salas de audiências virtuais aos tribunais portugueses. E se nas instâncias superiores – nos Supremo e nos Tribunais da Relação – as 12 salas criadas permitirão retomar os trabalhos com alguma normalidade, o mesmo não sucede com as restantes 145 destinadas aos tribunais de primeira instância, que são muitos mais. “O número de salas disponibilizadas pelo instituto é claramente insuficiente para todo o país”, lamentou o magistrado.

Questionado pelo PÚBLICO, o Ministério da Justiça explica que as 157 salas virtuais estão disponíveis desde 31 de Março, tendo o instituto encarregue da gestão dos equipamentos da justiça "mostrado disponibilidade para proceder à aquisição de mais licenças, sempre que tal se justifique. Só nesta sexta-feira uma única comarca manifestou essa necessidade, que irá ser “satisfeita de imediato”, assegura a tutela. “Não há qualquer outro sinal de insuficiência do número de salas atribuído, sendo certo que os elementos disponíveis não permitem afirmar que até agora esta valência tenha sido utilizada em toda a sua extensão”.

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