Como aumentar as doações para o Banco Alimentar? Através da ciência de dados

Seis estudantes universitários desenvolveram um algoritmo que pode aumentar em oito vezes o alcance de potenciais doadores para o Banco Alimentar Contra a Fome, através da ciência de dados. Ideia venceu a competição Eurekathon.

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E se, através da ciência de dados, as campanhas de pedidos de doações a instituições como o Banco Alimentar Contra a Fome pudessem ser direccionadas para zonas do país com mais potencial? Guilherme Pinheiro, de 21 anos, é o líder dos Hunger Bytes, a equipa vencedora da segunda edição da Eurekathon. Este ano, a maratona de ideias propôs-se a encontrar soluções para o combate à fome recorrendo à ciência de dados. “Os dados dizem-nos muita coisa, não só neste impacto social da fome mas também em relação a outros. Podem ajudar-nos a identificar problemas e, com base nisso, arranjar soluções para eles”, defende o estudante de Engenharia Electrotécnica e de Computadores na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).

Por quererem saber como melhor interpretar dados, Catarina Rocha Leite, Bernardo Franco, Guilherme Pinheiro, João Azevedo, Luís Bulhosa e Pedro Machado criaram um algoritmo que encontra potenciais doadores por freguesia, com base nos seus consumos de telecomunicações — através de dados fornecidos pelo Banco Alimentar Contra a Fome e pela operadora Nos.

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Os Hunger Bytes dividem-se entre a Faculdade de Engenharia do Porto e a Universidade do Minho DR

Tudo começou com a vontade de participar numa hackathon com algum impacto social em Portugal, recorda Guilherme. O grupo de amigos candidatou-se ao Eurekathon para, além de melhorarem valências pessoais, descobrirem "como desenvolver um projecto num ambiente diferente, em 50 horas”. Guilherme é o “elemento agregador” dos seis membros da equipa, ao juntar três colegas de curso e três amigos dos tempos da escola secundária, que agora frequentam a Universidade do Minho.

O grupo pôde aceder a uma grande base de dados, que teve de ser estudada para encontrar a melhor maneira de “pegar nos dados e transformá-los numa solução”. Na navegação pela enchente de informação, depararam-se com “os doadores daquela empresa de telecomunicações”, ou seja, clientes que faziam doações solidárias. Com esses dados, dedicaram-se a “traçar um perfil que ajude a expandir a base de doadores do Banco Alimentar”.

Começaram por segmentar, dentro do grupo dos assinantes, aqueles que fazem doações ao Banco Alimentar. Esta segmentação permitiu perceber que tipo de pessoas contribuem para esta instituição em particular: “assinantes de canais premium, residentes de zonas urbanas, proprietários de um certo tipo de cartões, pessoas sem dívidas para a operadora”. Por último, os estudantes identificaram freguesias com potenciais doadores, com base neste perfil, que ainda não doavam ao Banco Alimentar. “Uma discrepância maior entre o índice de altruísmo e o índice de doações” que, quando explorada, poderia aumentar em oito vezes a possibilidade de se chegar a potenciais doadores.

Os Hunger Bytes elaboraram três possíveis formas de aplicar concretamente este algoritmo. A primeira consistia no “envio de SMS e/ou e-mails para os tais possíveis doadores”. Seguiu-se a proposta de “implementar notas nas facturas da operadora, para ajudar a mostrar às pessoas como podem ajudar o Banco Alimentar”. E, finalmente, apresentaram a ideia de “criar campanhas direccionadas a uma dada freguesia, ou seja, campanhas diferentes em diferentes freguesias para provocar uma maior probabilidade de doação”. Esta é, para Guilherme, a ideia mais interessante para o grupo.

Nas vésperas do lançamento de uma nova campanha nacional de recolha de alimentos do Banco Alimentar, mais uma vez sem recolha nas lojas por causa da pandemia, Vera Bicho, da instituição solidária, destaca a importância da Eurekathon no tratamento de dados desta dimensão, com várias origens. “O que [os Hunger Bytes] fizeram foi trabalhar grandes volumes de dados e olhar para eles com uma perspectiva completamente diferente daquilo que é o dia-a-dia do Banco Alimentar”, explica.

Vera garante que houve uma preocupação de todas as partes em garantir o anonimato dos dados. “Eles não sabiam quem eram as pessoas”, assegura. O Banco Alimentar cedeu informações relativas às campanhas online, que acumularam muitos dados ao longo dos anos, o número de recolhas por lojas e as quantidades recolhidas em cada uma. Também a Rede de Emergência Alimentar disponibilizou informação sobre os pedidos de apoio que recebe, sendo que já chegaram a ter mais de 25 mil. Foi do “cruzamento” destas informações com os dados da Nos (e até alguns da plataforma Pordata) que os jovens estudantes “chegaram à conclusão de que havia zonas com mais potencial do que aquele indicado pelas recolhas”.

A representante do Banco Alimentar adianta que “algumas questões [abordadas na hackathon] até já estão a ser incluídas na Rede de Emergência Alimentar”. Devido ao estado actual da pandemia, a competição decorreu virtualmente entre os dias 5 e 7 de Novembro e contou com a presença da presidente do Banco Alimentar de Lisboa, Isabel Jonet, entre os jurados. A equipa vencedora recebeu um prémio de 2000 euros, 400 dos quais os Hunger Bytes doaram à Associação Nuvem Vitória. “Éramos uma equipa muito jovem, apenas estudantes do quarto ano, e conseguir fazer esta diferença foi um processo que demorou, mas que nos trouxe muito orgulho”, partilha Guilherme. 

Texto editado por Ana Maria Henriques

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