O fim do Terceiro Pólo: na China, os glaciares estão a derreter

As montanhas Qilian, na China, são conhecidas como o Terceiro Pólo, tal é a quantidade de gelo que lá existe (ou existia). Agora, devido ao aquecimento global, estão a desaparecer a um ritmo alarmante, avisam investigadores. Os rios secam e os produtores deixam de produzir: são as consequências de um planeta cada vez mais quente.

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As rugosas montanhas Qilian, na China, estão a desaparecer a uma velocidade alarmante — ao mesmo tempo que o aquecimento global traz mudanças imprevisíveis e a perspectiva de secas assustadoras e de longo prazo, avisam os cientistas.

O maior glaciar da cordilheira de 800 quilómetros no nordeste do planalto do Tibete já recuou 450 metros desde a década de 1950, altura em que investigadores criaram a primeira estação para o estudar.

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Uma ponte sobre o rio Shule, agora seco. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

O glaciar de 20 quilómetros quadrados, conhecido como Laohugou No. 12, é cruzado por diversos riachos de água que descem a sua superfície escarpada e cheia de gravilha. Já diminuiu cerca de 7% desde que as medições começaram, com o derretimento a acelerar o processo a um ritmo recorde nos últimos anos, dizem os cientistas.

Igualmente alarmante é a perda de grossura, com cerca de 13 metros de gelo a desaparecerem à medida que as temperaturas aumentam, referiu Qin Xiang, director da estação de monitorização. “A velocidade a que este glaciar está a diminuir é realmente chocante”, disse Qin à Reuters, durante uma visita ao local remoto onde ele e uma pequena equipa acompanham as mudanças.

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Jin Zizhen, 27, estudante, and Qin Xiang, director do Qilian Shan Station of Glaciology and Ecologic Environment da Academia de Ciências Chinesa dirigem-se ao Laohugou No. 12, nas montanhas Qilian. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
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Qin Xiang e Jin Zizhen colocam um instrumento de medição no gelo. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

O planalto tibetano é conhecido como o Terceiro Pólo, devido à grande quantidade de gelo que lá existe. Mas, desde os anos 50, a temperatura subiu 1,5º Celsius na área, referiu Qin. E, sem sinal para o cessar deste aquecimento, a perspectiva é sombria para os 2684 glaciares de Qilian.

Ao longo das montanhas, a diminuição do glaciar foi 50% mais rápida entre 1990 e 2010 do que foi entre 1956 e 1990, mostram dados da Academia de Ciências da China. “Quando vim pela primeira vez aqui, em 2005, o glaciar estava à volta daquele ponto onde o rio faz aquela curva”, conta Qin, apontando para o local onde as encostas rochosas e sem árvores do vale Laohugou conduzem o rio para solo mais baixo.

Água derretida escorre pelo glaciar Laohugou No. 12. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
Água derretida do glaciar Laohugou No. 12. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
Jin Zizhen verifica os dados recolhidos na estação de controlo. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
Investigadores perto do glaciar Laohugou No. 12. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
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Água derretida escorre pelo glaciar Laohugou No. 12. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

O fluxo de água num riacho próximo de onde termina o escoamento do Laohugou No. 12 é cerca do dobro do que era há 60 anos, diz Qin. Mais a jusante, perto de Dunhuang — o que era antes um grande entroncamento na antiga Silk Road —, a água que desce das montanhas formou um lago no meio do deserto pela primeira vez em 300 anos, reporta a comunicação social estatal.

O aquecimento global também é acusado de mudanças no tempo, que trouxeram outras condições imprevisíveis. Neve e chuva têm sido muito menos frequentes do que o normal, por isso, ainda que o derretimento dos glaciares tenha trazido mais escoamento, os produtores da região a jusante podem enfrentar secas prejudiciais para as suas plantações de cebolas e milho, e para os seus animais.

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Largas partes do rio Shule, nas imediações de Dunhuang, secaram ou ficaram reduzidas a piscinas, isoladas no matagal deserto. Foi assim que a Reuters encontrou o local quando o visitou em Setembro.

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Burros bebem água de um caudal seco do rio Shule. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

As novas flutuações também trazer perigos. “À volta da região, a água derretida dos glaciares está a desaguar em lagos e a causar cheias devastadoras”, disse Liu Junyan, da Greenpeace East Asia. “Na Primavera, estamos a ver aumento de inundações, e depois, quando a água é mais necessária para a irrigação, no Verão, há seca.”

Para Gu Jianwei, um produtor de vegetais de 35 anos da periferia da pequena cidade de Jiuquan, as mudanças no tempo significaram escassez de água para as suas couves-flores este ano. Gu disse que apenas conseguiu regar a sua plantação duas vezes durante dois meses cruciais do Verão. Enquanto contava o sucedido, segurava uma pequena couve-flor que diz ter apenas uma fracção do tamanho normal.

Gu Jianwei, 35, produtor. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
Agricultora apanha milho. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
Trabalhador numa quinta de uma vila nos arredores de Yumen. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
Um trabalhador apanha cebolas numa vila nos arredores de Yumen. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
Vila nos arredores de Yumen. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
Lv Tusong, 45, com o seu rebanho numa vila nas redondezas de Yumen. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
Gu Jianwei pega numa couve-flor que a sua mãe lhe entrega. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
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Gu Jianwei, 35, produtor. REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

O derretimento nas montanhas pode disparar dentro de uma década e, após isso, deverá diminuir devido ao facto de haver cada vez menos glaciares e, os que existem, serem mais pequenos, alerta Shen Yongping, da Academia de Ciências da China. Isso pode trazer crises de água, avisa.

As mudanças em Qilian reflectem as tendências de derretimento em outras partes do planalto do Tibete — a fonte do rio Yangtze e outros rios asiáticos. “Esses glaciares estão a monitorizar tendências de aquecimento global que contribuem para o escoamento dos rios Yellow e Yangtze”, referiu Aaron Putnam, professor associado de ciências naturais da Universidade do Maine.

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A evidência do desaparecimento do gelo é muito clara para o investigador Jin Zizhen, que, debaixo do céu azul e brilhante do Laohugou No. 12, confirma os seus instrumentos de trabalho. “É algo que eu consegui ver com os meus próprios olhos.”

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