André Ventura defende casamento gay e critica Salazar: “Atrasou-nos muitíssimo”

André Ventura defende o casamento entre pessoas do mesmo sexo e afirma que “não teria qualquer problema” em ter um filho homossexual. No seu programa, o Chega é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas o seu líder e fundador diz que não concorda. Em entrevista à Lusa, diz que, tal como a esquerda, também apoia a despenalização do aborto.

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O líder e fundador do Chega diz não concordar com o seu partido LUSA/TIAGO PETINGA

Favorável à despenalização do aborto, defensor do casamento homossexual e critico do ditador António Salazar. André Ventura garante ser tudo isso, ainda que não sejam essas as convicções e propostas do partido que fundou e que lidera. Em entrevista à agência Lusa, o representante e deputado do Chega afirmou que discorda do partido e criticou Salazar na gestão do país após a II Guerra Mundial. Mas minutos antes de as câmaras da Lusa começarem a gravar e a fotografar, os assessores do Chega fizeram questão de retirar da estante que estava atrás do líder partidário o conjunto de volumes sobre Salazar, para que não aparecessem no enquadramento das imagens registadas.

Salazar foi bom para o país? Ventura diz que não

Na entrevista, André Ventura recusa os rótulos de “extrema-direita, fascista, xenófoba e racista” que muitos atribuem ao seu partido e também qualquer simpatia relativamente ao regime do Estado Novo ou saudosismo pelo ditador Salazar. “Não é preciso Salazar nenhum em esquina nenhuma”, mas antes uma IV República, disse. 

“A República liderada pelo dr. António de Oliveira Salazar, a maior parte do tempo, também não resolveu [os problemas do país] e atrasou-nos muitíssimo em vários aspetos. Não nos permitiu ter o desenvolvimento que poderíamos ter tido, sobretudo no quadro do pós-II Guerra Mundial. Portugal poder-se-ia ter desenvolvido extraordinariamente e ficámos para trás, assim como os espanhóis”, afirmou. E acrescentou que “não é preciso um Salazar em cada esquina, é preciso é um André Ventura em cada esquina”.

“Comigo estão à vontade porque não tenho nenhum saudosismo de uma República que eu não vivi. Não é isso que me move. Vejo Salazar como vejo outras figuras da História. Não vou fazer juízos de qual é melhor ou pior: se Salazar ou [Álvaro] Cunhal ou Hitler ou Estaline. Nós, em Portugal, para conseguirmos dar um avanço real na questão política, temos de deixar os fantasmas do passado”, continuou.

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André Ventura avisa que conta com o dobro do resultado que as sondagens apontam para as eleições presidenciais Tiago Petinga/Lusa

Questionado sobre as ligações do Chega a movimentos radicais de direita e as suas raízes ideológicas, o pré-candidato presidencial optou pela designação de “partido antissistema”. ”O Chega tem zonas do país onde os militantes vêm predominantemente do espectro esquerdo, como Setúbal, Beja, Évora, Portalegre. Em Portalegre, é o segundo ou terceiro em termos de sondagens. O nosso eleitorado ali veio do PCP, do BE, algum do PS e, como acontece em todo o lado, do PSD e CDS”, descreveu.

Na interpretação de Ventura, o Chega é “um partido de direita, na classificação clássica – com uma visão do país de valores, defesa das instituições e do mercado -, mas na lógica antissistema, que é uma classificação mais adequada do que extrema-direita, extrema-esquerda, esquerda, direita”.

Casamento homossexual deve ter “os mesmos direitos"

O pré-candidato presidencial do Chega afirma que “ser homossexual não desvaloriza em nada ninguém” e mostrou-se favorável ao casamento gay, adiantando que o seu partido tem pessoas de diversas orientações sexuais, “eventualmente” até na cúpula dirigente. Apesar das várias posições assumidas por André Ventura contra os direitos das minorias, sejam refugiados, imigrantes ou a comunidade cigana, o líder do partido da extrema-direita portuguesa garante que “se tivesse um filho homossexual não teria nenhum problema com isso”. “Tenho muitos amigos homossexuais, alguns deles do mais brilhante que eu conheci na vida, que falam muito bem comigo e que percebem que nunca tive nenhuma onda de combatividade aos homossexuais ou à comunidade LGBT”, respondeu.

Voltando a ressalvar que “talvez alguma parte” do eleitorado” do Chega não esteja de acordo consigo, Ventura declarou que a direita com que sonhou, “tal como em muitos pontos da Europa, é uma direita em que as pessoas se unem em torno de causas, convicções, e não de condições pessoais de cada um”, pois “ser homossexual não desvaloriza em nada ninguém e não desvaloriza a capacidade de combate político”.

“Estou em crer ― não tenho dados sobre isso ― que o Chega tem homossexuais entre os seus milhares de militantes. Entre os dirigentes, eventualmente. E quero que continue a ser assim. Se tivesse um filho homossexual eu respeitaria isso”, afirmou.

Sobre “se ficaria feliz” caso o seu filho fosse homossexual e casasse “nos mesmos termos em que casam outras pessoas”, o presidente do Chega concordar com exactamente os mesmos direitos atribuídos a uma união entre um homem e uma mulher, mas respeitar que “a maior parte do partido tenha outra e entenda que o casamento não deva existir exatamente nos mesmos termos”. “A minha posição pessoal é a de que um casal de homens ou de mulheres não devem ter menos direitos do ponto de vista da sua presença na sociedade do que um casal homem-mulher”, declarou.

Ventura defende aborto

O líder nacional-populista deu ainda como exemplo o aborto, tema sobre o qual também tem um posicionamento de possível “discordância com a base do partido”.

“Sempre disse que, eticamente, compreendo e sou contra o aborto, mas não vou propor a sua criminalização, porque não funciona, não resolve. Compreendo que a maioria no partido ache que deva ser crime, mas choca-me enquanto jurista e político”, concluiu.

Chega “devia ter entrado no Governo dos Açores"

André Ventura defendeu que o seu partido deveria ter integrado o Governo Regional dos Açores (e que isso só não aconteceu porque o Chega não quis). “O PPM creio que teve 2% dos votos, ou alguma coisa parecida. Nós tivemos quase 6%. Quem deveria estar no Governo seríamos nós, mas nós não quisemos”, salientou.

Apesar de ter sido essencial para a formação de um Governo PSD, Ventura rejeitou que o apoio dado à formação do novo executivo regional açoriano tenha significado uma “muleta”. Mas em Setembro, na II Convenção Nacional do partido, André Ventura tinha prometido rejeitar coligações com outros partidos enquanto fosse líder do Chega.

“Como presidente eleito do Chega, com a legitimidade que me dá a eleição por 99% dos militantes de todo o país deste partido, eu quero dizer uma coisa: enquanto eu me sentar naquela cadeira ali do meio - coligações nem vê-las!”, prometeu no congresso do partido, cerca de um mês antes de apoiar o PSD nos Açores. Agora, Ventura defende não ter sido “muleta de ninguém” e que o Chega “disse que não cedia se não houvesse uma convergência em alguns pontos, e que não ia para o Governo”.

Na óptica de Ventura, o Chega apenas tinhas duas opções: votar contra o governo do PS, o que “nunca permitiria”, ou viabilizar um governo à direita, “com condições”. E admite esses acordos, afinal, possam repetir-se a nível nacional. Mas para que isso aconteça, é Ventura quem faz as exigências: “reformas mais profundas, quer a nível da justiça, quer a nível do sistema político, quer do sistema fiscal”. “Nós só aceitaremos viabilizar um governo à direita aqui se essas condições forem asseguradas, e se não forem, votaremos contra”, salientou, admitindo que se assim não for “as pessoas vão dizer” que “o antissistema tornou-se numa distribuição de lugares do sistema”.

O candidato à Presidência da República defendeu a realização de eleições legislativas “a breve prazo”, até porque “o Chega ia crescer muito”. Dando o exemplo da aprovação do Orçamento do Estado, o candidato considerou que um Presidente da República “nunca deve permitir que o Governo já em queda perca o apoio de um dos seus parceiros à esquerda, o Bloco de Esquerda, e ande a pescar apoios”.

O candidato a Belém André Ventura acusa Marcelo Rebelo de Sousa de ser o Presidente da República “mais cúmplice” com o Governo desde o 25 de Abril, funcionando como “pára-raios” do primeiro-ministro, António Costa. “Acho que é um mandato que tem como palavra principal, de caracterização, ‘cumplicidade’. Cumplicidade com o Governo, acho que foi nisso que Marcelo Rebelo de Sousa apostou tudo desde o início do seu mandato”, afirmou.

O candidato lembrou que o Presidente da República “já várias vezes tinha dito, enquanto comentador, que os portugueses nunca punham os ovos todos no mesmo cesto”, e portanto decidiu “não hostilizar o Governo PS”, porque, se o Governo “muda para a direita, é mais difícil” ser reeleito.

Para André Ventura, “isso vê-se em várias coisas”, por exemplo “no apelo sucessivo para aprovar os Orçamentos do Estado”. “Aliás, eu nunca vi um Presidente tão entusiasmado com um Governo como Marcelo Rebelo de Sousa. Acho que foi o Presidente que mais se entusiasmou com o Governo, muitas vezes serviu de pára-raios ao Governo quando o tom subia na Assembleia da República, embora desde que Rui Rio entrou também nunca subiu assim muito, mas foi sempre o pára-raios de António Costa”, concretizou.

Ventura acredita que vai ter “o dobro” do que as sondagens dizem

O líder do Chega mostrou-se também convicto de que vai conseguir “ter o dobro daquilo que as sondagens” sugerem e de que vai disputar uma segunda volta nas presidenciais. E ainda que não saiba quais as restrições que poderão estar em vigor por causa da evolução da pandemia, Ventura garante que não irá abdicar de ir para a rua, porque será essa a sua vantagem. “Não vou deixar de ir aos sítios porque a nossa vantagem é essa”, defendeu, exemplificando que os comícios poderão passar da rua para auditórios, com lugares marcados, e que os jantares poderão dar lugar a cocktails.

Sobre o anúncio de abandonar a liderança do partido caso Ana Gomes fique à sua frente uma vez apurados os resultados eleitorais, Ventura reiterou essa intenção: “Sim, evidente, eu quando digo as coisas é para manter. O que eu quis dizer com isso foi que tenho de tirar responsabilidades e ilações do facto de a doutora Ana Gomes ter mais [votos] do que eu”.

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