Chega recua na revisão constitucional para agradar ao PSD

Ventura também retira redução de deputados e proibição de governantes irem para empresas. Mas depois de Rio reiterar que o PSD só admite conversar com o Chega se este se moderar, Ventura desafia: “O Chega admite conversar com o PSD se o PSD se radicalizar nalgumas coisas.”

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LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Foi com repetidos agradecimentos e elogios a Rui Rio pela sua “coragem” que André Ventura anunciou nesta terça-feira no Parlamento que o Chega vai retirar as suas propostas de revisão constitucional para a redução de deputados e de proibição de os membros do Governo trabalharem para empresas com quem negociaram como governantes. Esse recuo vem na sequência do entendimento a que os dois partidos chegaram para a viabilização do governo de direita nos Açores.

A intenção do Chega é “acompanhar o projecto que o PSD apresentará em Janeiro ou Fevereiro”, ainda que André Ventura tenha admitido que os sociais-democratas não irão tão longe. “O Chega defende a redução para 100, o PSD provavelmente defenderá para 190 ou 180 ou 190 e qualquer coisa. Vamos tentar chegar a um ponto de convergência. (...) Saúdo a atitude do dr. Rui Rio ontem, quando perguntou aos jornalistas se reduzir deputados era uma coisa fascista. E na verdade PSD e Chega estão de acordo com isso: reduzir deputados, não estamos de acordo é com o número.”

“A partir daqui o Chega está a cumprir a sua palavra e espero que o PSD também, naturalmente, cumpra a sua palavra. Temos aqui um caminho aberto para podermos fazer um verdadeiro percurso de transformação em Portugal”, salientou o deputado.

A par destas duas propostas, o Chega deverá recuar também em algumas questões da reforma do sistema fiscal, sem ter especificado quais. Mas manter-se-ão as propostas, por exemplo, para a castração química de pedófilos, o voto obrigatório, a reforma do sistema económico, o trabalho comunitário dos condenados, garantiu André Ventura. “Mesmo que quisesse desistir de algumas propostas, não poderia”, afirmou, alegando que foi, por exemplo, pelo aumento de penas que os eleitores votaram no partido.

O que André Ventura procurou fazer com esta declaração no Parlamento foi subir um patamar e tentar mostrar que tem a porta aberta no PSD. Daí que tenha aproveitado, para além dos agradecimentos a Rui Rio, deixar alguns recados aos seus críticos no PSD e ao PS.

Sobre os Açores, admitiu ter sido o “entendimento possível. Nós gostávamos de ter ido mais longe, mas foi o entendimento possível”. E ao PSD avisou: “Temos dois caminhos: ou há esta diabolização do Chega tolerada pelo PSD em que prefere dar as mãos à extrema-esquerda e ao PS e continuar a diabolizar o Chega ou [o PSD] percebe que não vai haver futuro governo em Portugal à direita sem o Chega e começamos a fazer um caminho.”

“O PSD disse que admitia conversar com o Chega, se o Chega se moderasse; o Chega admite conversar com o PSD, se o PSD se radicalizar nalgumas coisas. Quais? O combate à corrupção, o combate ao desperdício do sistema politico como o que temos com 230 deputados, o combate à pedofilia, o combate ao sistema fiscal absurdo em que uns pagam para quem não quer trabalhar e não quer fazer nada. Isso é o que nós pedimos de radicalização do PSD. E se o PSD admitir fazer isso, estamos dispostos também a chegar a pontos de convergência a nível nacional”, prometeu.

“Ontem, o dr. Rui Rio disse que admitia conversar com o Chega e ter entendimentos com o Chega a nível nacional. E hoje o Chega quer dizer que admite conversa com o PSD a nível nacional e admite entendimentos com o PSD a nível nacional”, vincou André Ventura. E agradeceu “as palavras” do presidente social-democrata, a quem saúda a “coragem, mesmo perante toda a crítica interna, de dizer que o que foi feito foi um acordo com um ponto de convergência e que isso não muda a natureza dos dois partidos”. Embora não esqueça que essa não é a visão de todo o PSD - há “muito do PSD que prefere estar à esquerda do que à direita”.

E aproveitou para dizer aos sociais-democratas que se pretendem voltar a governar mais cedo ou mais tarde, terão que criar “alguma plataforma de convergência à direita”, algo que “já ninguém tem dúvida que, pelo menos no tempo que corre, será com o Chega e não com outro partido”. E o aviso veio já com um caderno de encargos. Apesar desta aproximação ao PSD para o governo do Açores, Ventura faz-se caro para o plano nacional. “O Chega não precisa de acordos com nenhum partido do sistema nem os pretende”, afirma Ventura que, no entanto, insiste logo a seguir nas sondagens que indicam que só o Chega e o PSD conseguem ser alternativa de peso suficiente à direita. 

“Isso não quer dizer que vá haver qualquer coligação pré-eleitoral, como é evidente. Cada eleitorado é o seu e é diferente”, salienta. Mas para um governo à direita, “sustentado pelo PSD e pelo Chega com uma maioria na AR”, seria preciso que os sociais-democratas aceitassem fazer uma verdadeira transformação do sistema nacional a nível político, jurídico, fiscal e administrativo. Sem isso, Ventura diz que prefere “ficar na oposição”.

O presidente do Chega lamentou os “ataques a nível nacional do PS”, pela voz de António Costa, de quem disse esperar (sem acreditar que aconteça) um pedido de desculpas por ter “catalogado o Chega como um partido extremista, racista e xenófobo”. “O PS pensava que os entendimentos eram prerrogativa exclusiva sua com o PCP e o Bloco. E percebeu que não só perdeu o poder nos Açores por causa do Chega como vai perder o poder na República por causa do Chega também (...). Daí a irritação, a perturbação e o nervosismo com o Chega.”

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