Dia 118: Estou a ficar parecida com a minha mãe, oh não!

Quem é que vai comprar guerras constantes, policiar a liberdade e, pesadelo dos pesadelos, aplicar os castigos? A pobre mãe, claro. Que depois vai chamar o pai, na versão “Quando o teu pai chegar!”, e tudo vai acabar em choro e ranger de dentes.

Foto
@DESIGNER.SANDRAF

Ana,

Foto

Estou a ficar parecida com a minha mãe, oh não! Espera, não é em santidade, que a esse respeito nunca lhe vou chegar aos calcanhares, é naquele hábito que ela tinha de se meter em todas as conversas, sobretudo nas conversas entre estranhos, oferecendo conselhos a torto e a direito. Estou igual.

Agora mesmo meti-me numa conversa de uma mãe que não conheço de lado nenhum que se queixava de que a filha adolescente estava a dar cabo dela. A amiga a quem se confessava, aconselhava “mais regras”, “mais limites” e “mais castigos”. Tentei não dizer nada, juro. Pensei no distanciamento social, em que ridícula ia parecer a falar a pessoas que nunca vi na vida, de uma adolescente da qual não sei nada, mas não resisti. Estava feito. Depois fugi o mais depressa que pude.

O que lhe disse? Basicamente que há momentos em que é mesmo muito duro ser mãe de um adolescente, ver o nosso filho ou filha tornar-se num “desconhecido”, a falar por monossílabos, aparentemente desinteressado de tudo aquilo de que gostava, e mega interessado noutras que nos parecem horrivelmente perigosas, pouco mais do que uma criança (aos nossos olhos) que se sente mais “experiente” do que nós, recusa tudo o que lhe dizemos, chamando-nos de autoritárias e controladoras.

E que quando estive no lugar delas tinha vontade de vos esganar. Não era de vos castigar, nem de vos prender no quarto, era de vos enfiar num colete-de-forças ou numa gaiola. A questão é que não resulta, e o rol de coisas que “devíamos fazer”, aquele que a amiga lhe impingia (pronto, não disse bem assim), mais não faz do que atirar mais areia para a nossa camioneta. Quem é que vai comprar guerras constantes, policiar a liberdade e, pesadelo dos pesadelos, aplicar os castigos? A pobre mãe, claro. Que depois vai chamar o pai, na versão “Quando o teu pai chegar!”, e tudo vai acabar em choro e ranger de dentes.

Repara, não acho que os pais tenham de engolir a má-educação dos filhos, nem deixar que feriam os seus sentimentos, deixar que os tratem como bem descartável. Às vezes para não ter mais chatices disfarçamos, e não devíamos disfarçar. É bom que saibam que as suas palavras e actos têm impacto, e consequências. Também não acho admissível que os filhos não respondam a uma chamada dos pais em tempo útil (e esse tempo útil tem de ser definido), da mesma maneira que um filho não aceita, e bem, que os pais lhe façam o mesmo, mas parece-me que as regras devem ser poucas e bem claras.

Podia continuar por aqui adiante, mas na verdade se soubesse as respostas não tinha passado por “episódios” mais difíceis na vossa adolescência. Nem tantas noites de insónias.

Mas há uma coisa que me ajudou, e disse-lhe: ajudou-me reler os meus diários escritos com essas idades, fazendo um esforço por regressar no tempo e lembrar-me de como me sentia na altura. Por um lado, favorece a empatia, por outro dá vontade de rir — que ainda é o melhor remédio — e, por fim, desce sobre nós uma certa paz: passou-nos, também lhes vai passar a eles. Lembras-te como te lia alto bocadinhos do meu diário e tu e a tua irmã faziam uma troça descomunal? Acabávamos todas às gargalhadas, dissipando o ar da tensão preexistente, era tão bom.

Ui, mas já não sei se consigo passar pela adolescência dos netos. Não me contes nada. Mas, já agora, também não compres a da “rédea curta” — acho que crianças que foram educadas em liberdade e com respeito pela sua individualidade, como as tuas, não iam reagir lá muito bem a esta versão de cavalinho domesticado.

Já agora, tens os teus diários à mão?

bj


Querida Mãe,

Se há coisa que aprendi é que uma mãe nunca se deve comprometer com opiniões sobre fases de parentalidade pelas quais ainda não passou. Antes de ter filhos jurávamos todas que o “nosso nunca ia dormir na cama dos pais”, depois jurámos que “nunca na vida, um filho meu vai fazer uma birra num restaurante”, a seguir que “nunca na vida íamos comprar uns sapatos da marca x quando os da feira são tão bons”, e por aí fora. Por isso só lhe respondo que sim, que tenho os meus diários à mão.

Foto

Às vezes fico a pensar se não criámos o próprio monstro da “adolescência.” Eu sei que há muitas mudanças hormonais e psicológicas que tornam as relações com os pais mais desafiantes, mas dou por mim a pensar que passamos tanto do nosso tempo a rotular os comportamentos irritantes dos nossos filhos como “pré-adolescentes ou adolescentes”, segundo os estereótipos da adolescência que vemos nos filmes, que se calhar estamos a contribuir para realizar a profecia. Será?

Seja como for não tenho dúvida nenhuma de que é uma fase de choque para os pais. Se até aos 13 anos, o primeiro ano dos teens, conseguimos mais ou menos fingir que ainda “controlamos” o ser humano que temos em casa, rapidamente somos confrontados com a dura realidade de que os filhos não são nossos. Que têm opiniões, gostos e interesses diferentes. A vida mental própria (que sempre tiveram, obviamente, mas que pela idade era mais alinhada com a nossa) torna-se agora inacessível. E o que fazem os seres humanos quando se sentem fora de controlo? Tentam controlar. E o que fazem os adolescentes quando se sentem controlados? Ficam ainda mais reservados e distantes. Concordo consigo, só há um caminho para cortar deste ciclo. Comunicação e empatia. Que nada tem a ver com falta de regras ou de abdicar das nossas expectativas (que têm, no entanto, de ser deixadas bem claras).

O Dr. Ross Greene diz uma coisa que é muito verdadeira: “A forma de fazer com que uma pessoa se interesse pelas nossas preocupações é mostrar interesse pelas dela.” Parece-me que essa é que tem que ser uma das regras de ouro. É preciso levar a sério aquilo que para eles, nesta fase, é mesmo, mesmo relevante. Mesmo que nos pareça pouco importante. Como as nossas lhes parecerão a eles. E para isso é preciso tentar, e ensinar, a ver o outro lado das coisas.

Lembro-me que quando era a sua adolescente e saía à noite, como me custava imenso perceber porque é que a mãe se estava “a passar” só porque eu chegava meia hora mais tarde. Agora sim, vejo que essa meia hora era a maior meia hora da sua vida, gasta a imaginar todas as coisas horríveis que me podiam ter acontecido. Simplesmente, de onde eu estava, rodeada de amigos e gargalhadas e de uma paixão nova qualquer, 30 minutos passavam depressa demais e pareciam-me um detalhe.

Na verdade, abordo a adolescência dos meus filhos com muita esperança porque acredito que a liberdade e a confiança que a mãe me deu, permitiu-me muito espaço para explorar quem eu era, sem ter de procurar excessos. O que me deu a mim era o que eu gostava de lhes dar a eles. Digo-lho com toda a sinceridade e, neste tempo de novo confinamento sem sequer ambicionar uma noite de baby-sitting, que se for metade tão boa “mãe de adolescentes” como a mãe foi, poderemos não só sobreviver à adolescência deles, como tirar genuíno gozo dela. Porque, extremos à parte, é uma idade espectacular. Nem imagina o prazer que as minhas alunas de canto adolescentes me dão, são seres humanos tão espectaculares, e o seu entusiasmo é contagiante. Confesso que tenho uma paixão especial por essa fase, e pelos adolescentes que a vivem.

bj


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

Sugerir correcção