Número diário de mortes não pára de aumentar e já ultrapassou máximos de Abril

Morreram em média 43 pessoas por dia nas últimas duas semanas, o registo mais alto desde a pandemia numa altura em que os internamentos continuam a atingir recordes. Número diário de óbitos que pode continuar a aumentar, avisam os epidemiologistas.

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Tiago Petinga/Lusa

Portugal registou esta segunda-feira um novo máximo diário de mortes por covid-19, com 63 vítimas registadas até às 24h de domingo. A mortalidade tem acompanhado a tendência crescente dos outros números da pandemia, que têm também atingido valores superiores aos que se verificaram na primeira vaga de infecções. Nos últimos 15 dias, morreram em média quase 43 pessoas por dia devido à covid-19, um número que ultrapassa as médias de Abril: na primeira quinzena desse mês, morreram em média 29 pessoas por dia, e 26 no intervalo de 16 a 30 de Abril.

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As circunstâncias são, no entanto, diferentes, nomeadamente no que diz respeito aos números de casos, de hospitalizações e de internamentos em unidades de cuidados intensivos.

António Silva Graça, especialista em infecciologia, começa por explicar que números tão elevados de casos como os que têm sido registados nas últimas semanas vão automaticamente ter consequências na pressão nos sistemas de saúde e na mortalidade da doença.

De 1 a 15 de Abril, os internamentos aumentaram em média à razão de cerca de 38 infectados por dia, um número considerável, mas já quase metade dos registos máximos que se verificaram uma semana antes: de 25 de Março a 8 Abril, havia por dia mais 67 internados, em média. Verifica-se, assim, um desfasamento de cerca de uma semana entre o pico da média diária de mortos e da variação média diária de hospitalizações.

Os números da segunda quinzena confirmam a tendência: de 16 a 30 de Abril, já se verificava uma tendência decrescente de pessoas internadas, com uma redução diária de cerca de 16 infectados hospitalizados por dia (enquanto ainda morriam diariamente 26 doentes, em média).

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O desfasamento entre internamentos e mortes também se observa no caso da entrada em unidades de cuidados intensivos (UCI): na primeira quinzena de Abril, houve em média mais um internado em UCI por dia – de 22 de Março a 5 de Abril, os doentes nos cuidados intensivos aumentaram à razão de quase 16 por dia – e na segunda quinzena viu-se uma redução diária de cerca de dois internados em UCI.

Voltando a Novembro, a média recorde de quase 43 mortes por dia que se regista de 26 de Outubro até esta segunda-feira é acompanhada por um aumento de quase 72 internados por dia e 11 internamentos em UCI (o único parâmetro que não atingiu os máximos de Abril). Tal como em Abril, estes valores não são os mais altos já registados (a média de internados atingiu um máximo de 72 por dia nos dias entre 20 de Outubro e 3 de Novembro e os internados em cuidados intensivos rondam a média de mais 11 diários desde domingo), mas as diferenças no desfasamento da primeira vaga eram maiores às que são verificadas agora. Ao mesmo tempo, o número de casos diários também tem sido superior aos registos de Abril. 

“Com um aumento muito mais significativo do que quando a curva de Março e Abril começou a subir, é natural que a mortalidade seja maior. A faixa etária das pessoas com mais de 80 anos continua a ter um grande peso neste indicador”, refere António Silva Graça, acrescentando que o problema dos lares de idosos “continua a não estar resolvido” e pode estar a contribuir para estes números.

Por outro lado, Ricardo Mexia, especialista em saúde pública, realça que o número de casos que registamos agora só vai ter um peso na mortalidade daqui a algum tempo, o que significa que o número diário de mortes covid-19 pode vir a subir ainda mais.

“Os novos casos que estamos a diagnosticar neste momento só vão ter um agravamento [do quadro clínico] daqui a sete a dez dias e em alguns desses casos a doença resulta em morte. Não há um imediatismo entre o número de óbitos e o número de infecções, e isso é algo que não podemos ignorar. Estes números, de quatro mil, cinco mil casos diários, vão-se reproduzir talvez 15 dias depois na mortalidade. É isso que estamos a ver agora, estes 60 óbitos terão sido pessoas que se infectaram há duas, três semanas”, explica.

Taxa de letalidade mais baixa, mas morrem mais infectados

Muito embora a taxa de letalidade continue a diminuir de forma consistente (é de cerca de 1,6%), têm morrido mais doentes com covid-19 agora do que em qualquer altura desde o início da pandemia.

Ricardo Mexia apresenta duas razões para a taxa de letalidade — o cálculo da percentagem de óbitos de todos os casos confirmados como positivos de uma doença, que fornece um visão da gravidade dessa doença no geral — ter vindo a diminuir nos últimos meses. 

A primeira passa pelo facto de, em qualquer doença nova, e também com a covid-19, os serviços de saúde vão melhorando a gestão clínica dos casos à medida que o tempo passa. Não há ainda uma cura, mas há conhecimento e novas ferramentas para lidar melhor com estas infecções. A segunda razão apontada pelo especialista é a capacidade de diagnóstico do país. Quando Portugal passou a fazer mais testes, um dos denominadores da equação da letalidade (o número de casos) aumentou, o que vai fazer baixar o resultado final.

“Na fase inicial da pandemia estávamos a identificar menos infecções e havia mais casos do que os que diagnosticávamos. Agora a situação tende a estabilizar e não acredito que haja, uma grande redução ou aumento da mortalidade daqui para a frente a menos que entremos naquilo que todos queremos evitar. Um cenário em que a resposta já não consegue fazer face às necessidades: deixamos de ter vagas nos cuidados de saúde por causa do elevado aumento da procura. Aí sim podemos ter um aumento da letalidade”, refere.

António Silva Graça aponta que a pressão no Serviço Nacional de Saúde (SNS) pode estar a traduzir-se num atendimento aos doentes que não é tão “optimizado”. “Temos de perceber que essa possibilidade existe. Não estamos a deixar de tratar as pessoas, mas havendo um maior fluxo a qualidade do atendimento pode descer”, diz.

Face a esta possibilidade, o número diário de mortes pode ainda continuar a aumentar, tendo em conta os números altos de internamentos diários e de doentes em cuidados intensivos que ainda se verificam.

Para Ricardo Mexia, o aumento do número de doentes nos cuidados intensivos ainda não está a ter impacto no número de mortes, mas o especialista em saúde pública avisa: “vai acontecer”.

O também presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP) acredita que o país pode já estar a inverter a tendência dos novos casos serem verificados em camadas mais jovens da população, factor que pode também explicar o número de mortes mais elevado. Já António Graça é da opinião que grande parte dos novos casos continuam a registar-se nas faixas etárias mais jovens, as mais activas, apesar de a mortalidade funcionar de forma contrária.

Os dois especialistas ouvidos pelo PÚBLICO concordam que serão precisas várias semanas para perceber se as medidas anunciadas pelo Governo terão efeito nos indicadores da pandemia. “Vamos precisar de semanas para ver os números a descer, as medidas não terão uma repercussão imediata. E temos de ter em conta que estamos numa realidade bastante pior [do que na primeira vaga]. Temos muitos mais casos e as medidas não estão a ser tão incisivas, e a meu ver ainda bem, porque têm este carácter regional e a eficácia pode não ser exactamente a mesma. Só o tempo o dirá”, aponta Ricardo Mexia.

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