Dia 114: O medo dos avós de serem irrelevantes na vida dos netos
Não te rias, nem estes avós são uns chatos, até patéticos, nem estes netos também são monstros oportunistas, nem criaturas ingratas. Uns têm as vidas demasiado vazias, os outros (felizmente) muito cheias.
Querida Ana,
Hoje apetece-me fazer uma birra, uma birra de que me envergonho um bocadinho, mas que faço na mesma porque acredito que é comum a muitos avós, mesmo que não o admitam publicamente. Olha, e se não for, pelo menos confesso-ta a ti, que estás comigo neste barco desde o princípio desta pandemia sem fim à vista.
Pronto, aqui vai. É uma birra contra mim. Contra o meu medo da irrelevância na vida dos meus netos. Pior do que isso, é o terror de um dia ter de lhes mendigar a atenção, ou de ser tentada a recorrer ao suborno para conseguir que me visitem ou me telefonem. Não digas que é uma impossibilidade porque já vi acontecer com muitos avós, já os vi oferecerem-lhes carregamentos de telemóvel com a condição de que lhes liguem.
Quem sabe, até, se não chegarei à chantagem emocional, usando o mais do que estafado “Sei lá se não vai ser o último Natal que passo contigo!”. Horrível, não é? Será, mas não juro que um dia não a tirarei da manga. E não te rias, nem estes avós são uns chatos, até patéticos, nem estes netos também são monstros oportunistas, nem criaturas ingratas. Uns têm as vidas demasiado vazias, os outros (felizmente) muito cheias.
Quando as tuas mais velhas receberam um telemóvel nos anos, confesso-te que senti um arrepio. Não por já terem telemóvel, nem por toda a conversa dos ecrãs, mas porque pensei “oh não, assim não vou resistir a telefonar-lhes” — e a ficar magoada se não me atenderem uma e outra vez, simplesmente porque estão a fazer um Tik Tok ou outra coisa qualquer prioritária.
Ana, não te impacientes, nem digas que nunca vai acontecer, porque estou aqui a fazer uma tentativa de estudar como é que vou, um dia reagir, a esta realidade que é novo. Porque, à excepção dos pais que não vivem com os filhos, todos os outros não precisam de artifícios para estar com eles. Mesmo quando na adolescência se tornam monossilábicos e repentinamente desprendidos dos adultos e enfeitiçados pelos amigos, há sempre momentos naturais de encontro. Mas os avós, muitas vezes, não têm esse palco assegurado, e odeiam reivindicá-lo.
Pronto, só vejo uma solução para isto: terem sempre novos netos pequeninos para os entreter. E vida própria. E um jardim e um cão. Mais alguma ideia?
Beijos
Querida Mãe,
Terem sempre novos netos pequeninos, isso é uma indirecta?
Pronto, não desconverso. Compreendo a sua preocupação, mas não tem razão numa coisa: é que nem os pais têm esse lugar assegurado — e isso é das coisas mais assustadoras que existe. A hipótese de se afastarem tanto de nós que, estando na mesma casa ou não, evitam-nos e fecham-se à relação connosco. Se pensarmos bem, esse é um medo gigante em qualquer relação e quanto mais nos entregamos a mais nela investimos, maior é o potencial buraco que podem deixar. E não há relação em que pais e avós (pelo menos os bons) invistam tanto!
E, mãe, acho que já lhe disse isto, mas vou voltar a repetir, não se esqueça de que os avós têm uma vantagem em relação aos pais, sobretudo na adolescência: é que não precisam de ‘comprar’ tantas guerras com eles, não são o alvo principal das suas frustrações e raivas. E não devem ser. O que permite muito mais espaço para a relação.
Mas fica já aqui já combinado que quando formos obrigadas a deixá-los ir, porque os amigos passaram a ser ‘tudo”, ou porque querem ir viajar ou estudar para fora, vamos as duas numa viagem sozinhas, para um sítio que tenha massagens, caipirinhas e um trapézio voador! Assim lembramo-nos que há vantagens neste crescimento! E durante a viagem postamos tantas fotografias lindas no Instagram que elas morrem de inveja e querem voltar a passear connosco.