Assembleia da República aprova uso obrigatório de máscaras ao ar livre

O deputado do PSD Marques Guedes arrasou gestão da pandemia. Deputado da IL votou contra a proposta.

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Rui Gaudêncio

O Parlamento aprovou o uso de máscaras na rua com os votos a favor do PS, PSD, CDS e PAN. O Bloco, PCP e PEV abstiveram-se e o deputado da Iniciativa Liberal votou contra. O deputado do Chega, André Ventura, não votou por se se encontrar em campanha eleitoral nos Açores. 

A proposta prevê que a obrigatoriedade do uso das máscaras em espaços públicos esteja em vigor durante 70 dias, uma alteração avançada pelo PS, já depois de o PSD ter recuado no prazo inicial de 120 dias. O Bloco e o PAN conseguiram fazer aprovar uma alteração (com propostas idênticas) que determina a realização de campanhas de sensibilização para a importância do uso de máscaras no combate à covid-19.

Durante o debate, que decorreu esta manhã, o deputado do PSD, Luís Marques Guedes, aproveitou a sua intervenção sobre a proposta do uso de máscaras em espaços públicos para fazer duras críticas ao Governo (que podem ser também destinadas ao Presidente da República) na gestão da pandemia, apontando tentativas de “infantilização” dos portugueses, de mensagens erráticas e de falta de uma “liderança pelo exemplo”.

O projecto de lei do PSD aproveitou uma parte de uma proposta de lei do Governo que impunha o uso de máscaras em espaços públicos e a obrigação de descarregar a aplicação móvel StayAway covid. Esta última foi desagendada pelo Governo.

Na apresentação da proposta do PSD, Luís Marques Guedes pediu, neste “momento crítico” da pandemia, “lucidez, verdade e confiança” para vencer a crise. “Não infantilizem os portugueses com a verdade bacoca do milagre português, não os castiguem do preconceito ideológico da omnipotência do SNS, não ameacem com derivas autoritárias que mais não são manobra de diversão para branquear a omissão, não os confundam com os sucessivos ziguezagues: todos para casa, todos para a praia, todos fora das igrejas e manifestações e eventos políticos, todos a prevenirem-se com a vacina da gripe e todas as farmácias em finais de Outubro na perfeita incerteza da resposta às necessidades. Assim ninguém vos leva a sério”, disse.

Apontando um “quadro terrível” na saúde a que as “mas altas autoridades nacionais fingem não ver o iminente colapso”, o antigo ministro da Presidência do Governo de Passos Coelho referiu-se ainda a quem, “no poder e no limite do ridículo”, acusa de “falta de patriotismo” os que criticam a gestão da crise económica e sanitária. E mostrou o seu “frontal desacordo” sobre esta perspectiva, defendendo que a principal arma nesta crise “é a confiança” e que tem faltado uma “liderança pelo exemplo, coerente”. Em Abril passado, foi o próprio Rui Rio, líder do PSD, que apontou falta de patriotismo aos que criticavam o Governo pela gestão da crise. 

No diploma em discussão, o uso das máscaras na rua, por um período de três meses, é obrigatório quando o distanciamento físico não for possível e foi este conceito que alguns deputados criticaram. Foi o caso de João Oliveira, líder da bancada do PCP. “É preciso que sejam definidos com clareza, os critérios da aplicação” da lei, disse, considerando que a expressão inscrita na proposta “não é um conceito determinado”. O mesmo entendimento teve a deputada ecologista Mariana Silva para justificar a abstenção: “A lei para ser respeitada, tem de ser clara e não pode ser interpretada casuisticamente”.

Do outro lado do hemiciclo também se ouviu argumento pela boca do deputado único da Iniciativa Liberal ao considerar que a proposta foi feita com “bases erráticas” da DGS. “É difícil de entender e impossível de fiscalizar”, disse João Cotrim de Figueiredo.

Já o CDS mostrou-se a favor do uso permanente das máscaras com a deputada Ana Rita Bessa a criticar que as medidas não podem ser tomadas “de ânimo leve” nem para provocar “abanões”, numa crítica directa ao primeiro-ministro. “A epidemia é um teste à forma como exercemos a nossa cidadania”, lembrou a deputada.

Ao lado do PSD estiveram o PAN, o PS e BE embora estes dois últimos com perspectivas diferentes. O socialista José Magalhães considerou que “as máscaras são apenas um meio complementar e não mais do que isso” e que “ninguém deve esperar milagres”, afastando a ideia de que são inconstitucionais. “Esperamos que esta medida ajude os portugueses a cumprirem com zelo um dever que nos proteja a todos”, disse. 

Já o bloquista Moisés Ferreira sublinhou a necessidade de garantir que as “pessoas têm acesso ao equipamento de protecção” e que estas medidas têm de passar pela sensibilização das populações, propostas que a bancada quer ver consagradas no diploma. “É importante que haja medidas de saúde pública, mas que as pessoas sejam envolvidas e que o façam voluntariamente. O contrário pode ter efeitos contra-producentes e é isso que o BE quer evitar”, afirmou.

A deputada do PAN Bebiana Cunha assumiu que “o caminho do uso de máscaras de forma mais permanente pode parecer mais difícil e exigir mais disciplina”. “As liberdades e garantias individuais são apenas um elemento desta equação. Joga-se o bem-estar de todos e todas. E, numa relação que não é de simbiose, também não é de competição”, disse.

Com um processo rápido - as votações na generalidade, especialidade e votação final global realizadas hoje em plenário - o diploma segue para a Presidência da República para promulgação e entrará em vigor no dia seguinte à publicação em Diário da República.

Lá fora, o protesto

Enquanto os deputados discutiam o uso obrigatório de máscaras no plenário, vinte e poucas pessoas concentravam-se junto à porta lateral da Assembleia protestando contra essa imposição. Tentaram entrar no Parlamento para assistir à discussão nas galerias, o que é proibido desde Março devido às medidas de combate à pandemia e até exigiram o livro de reclamações por causa disso.

O protesto tinha sido convocado pela Plataforma Cidadania XXI e entretanto fora cancelado porque o STAL marcou uma concentração para esta sexta-feira de manhã também em frente ao Parlamento, mas houve duas dezenas de resistentes que insistiram em vir, contaram ao PÚBLICO António Nogueira, da plataforma, e Sandra Oliveira, do Grupo Covid-19 Com Ciência. A plataforma foi criada há uma semana “depois do atentado do Governo de impor medidas autoritárias”.

“A plataforma pretende dar voz aos que estão contra os atentados flagrantes à Constituição e inibições das liberdades das pessoas com a desculpa da covid-19, e contra a falta de equilíbrio nas medidas sanitárias, muito pouco baseadas em ciência e medicina”, afirma António Nogueira, contrapondo com a “sensatez” das medidas definidas no Norte da Europa. Entre os “exageros” estão as cercas sanitárias, os confinamentos, as recomendações e obrigações do uso de máscara por crianças e jovens nas escolas”, enumera. “Houve um disparate de medidas surreal.”

Para António Nogueira, as máscaras deviam ser usadas apenas por pessoas de grupos de risco e o Governo deveria apostar em campanhas de prevenção, reforço e estímulo de hábitos saudáveis. “O SNS está a colapsar por causa da covid ou por falta de investimento? Se nos outros anos se fizessem testes em massa à gripe quantos infectados haveria?”, questiona o activista.

A plataforma está também ligada ao movimento Médicos Pela Verdade – que replica em Portugal uma iniciativa de outros países -, que congrega epidemiologistas, médicos de saúde pública, virologistas, e que já pediu audiências aos grupos parlamentares. Sandra Oliveira acrescenta que o Grupo Covid-19 Com Ciência está a preparar “uma providência cautelar contra o Ministério da Saúde sobre o estado do SNS e a mortalidade além-covid, as violações de direitos dos utentes não covid e a forma como a pandemia está a ser tratada – com política e não com ciência”.

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