Procurador europeu: “what if”?

A seleção de procuradores nacionais para o gabinete do Procurador Europeu teve zero anomalias, para quem se informa.

O concurso: seleção de procuradores nacionais para o gabinete do Procurador Europeu, que vai investigar criminalidade relacionada com os fundos financeiros comunitários.

Processo prévio: seleção interna, escolha de três procuradores, audição dos mesmos na AR e graduação pelo Conselho Superior do Ministério Público.

Processo subsequente na UE: avaliação e seriação dos três por uma comissão de seleção (panel) sem poder vinculante: the ranking shall indicate the panel's order of preference and shall not be binding on the Council.

Decisão final: competência do Conselho da UE – Reg. 2017/1939, art.º 16/3 –, o qual não está vinculado ao parecer da comissão de seleção:  After having received the reasoned opinion of the selection panel referred to in Article 14(3), the Council shall select and appoint one of the candidates to be the European Prosecutor of the Member State in question – art.º 16/2 do Reg.

O Conselho da UE com poder para tal veio a escolher o candidato que, segundo a avaliação do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), apresentava melhor perfil global para o cargo.

Nenhuma anomalia, para quem se informa. A outros, o caso foi servido como iguaria de escândalo e, generosos, partilharam-na em mesas diversas: “uma vergonha que deve ser denunciada; o Governo transformou um cargo que devia ser independente numa nomeação por confiança política! Se estamos a criar uma procuradoria europeia, vamos garantir que ela nasça independente”, escreveu-se por aí!

Esclarecimentos do Governo não foram suficientes, Darth Vader fora convocado e lançou várias perplexidades.

Primeira: era exigência regulamentar que os procuradores candidatos, além de experiência e qualificações para o desempenho do cargo, fossem garantidamente independentes – whose independence is beyond doubt – art.º 16/1 b).

A independência dos candidatos nacionais é indubitável. Já a experiência profissional, advindo de diferentes prestações funcionais e antiguidades na carreira, é o traço mais distintivo entre os três, como se extrai das audições a que se submeteram na AR e podem ser ouvidas no canal próprio.

Curiosa quanto à fundamentação valorativa da comissão de seleção europeia, procurei-a nos sítios próprios, mas em vão. Não podemos saber o que distingue os nossos compatriotas, no parecer do “panel”. Mas a comissão de seleção não escolhe, só avalia e/ou exclui.

Segunda perplexidade: não há muito tempo, partidos políticos alvitraram a hipótese de alterar a composição do CSMP, por forma a que neste órgão passasse a haver uma maioria (+1) de membros não magistrados. Dramático! Rasgaram-se vestes, houve ranger de dentes, luta de palavras, greve, proclamações, acusações de pretenso controlo das investigações, etc. Que o nosso modelo de governo do MP é o melhor do mundo, um dos poucos que garante autonomia e independência relativamente ao poder político! Nem pensar em tocar-lhe, porque de outro modo, toda a transparência, isenção e autonomia seriam aniquiladas! Tudo muito certo! Mas então o CSMP graduou agora os três procuradores para um concurso internacional, colocando em primeiro lugar aquele quem vem a ser escolhido pela instituição europeia competente, e a graduação por esse órgão já não garante uma escolha independente relativamente ao poder político interno? Em que ficamos?

Terceira perplexidade: o empenho de alguns no apontar interferência governamental ao procedimento de escolha, bem sabendo que a não há, permite legitimamente identificar um contraponto: a evidente preferência por uma outra candidata. “What if"…?

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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