Academia do cinema francês já tem nomes para a sua nova presidência paritária

Véronique Cayla, ex-presidente do Centro Nacional de Cinema, e o realizador Éric Toledano são os únicos candidatos à eleição desta terça-feira. Mas a sombra de Polanski continua a pairar sobre a Academia dos Césares.

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Véronique Cayla DR
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Roman Polanski CHARLES PLATIAU/ REUTERS
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Éric Toledano DR

Véronique Cayla, a mulher de 70 anos que até ao último Verão dirigiu a associação de televisão Arte France e até 2010 presidira ao Centro Nacional do Cinema e da Imagem Animada (CNC), e o realizador Éric Toledano, 49 anos, co-autor, com Olivier Nakache, do êxito popular Amigos Improváveis (2011), deverão constituir a dupla que vai presidir à nova administração da Academia das Artes e Técnicas do Cinema/Associação para a Promoção do Cinema.

Este tandem paritário é o único que se candidatou à eleição que vai realizar-se na manhã desta terça-feira, na expectativa de que se ultrapasse um dos períodos mais conturbados na história da Academia que é responsável pela gala dos Césares, os prémios da indústria do cinema francês.

São duas personalidades “muito respeitadas” e ao mesmo tempo “muito diferentes”, disse esta segunda-feira à AFP a actual presidente interina da Academia, a produtora Margaret Menegoz, confirmando os seus nomes como os únicos que surgiram na lista das candidaturas que tinham de ser apresentadas até ao meio-dia de domingo.

Além da presidência, o princípio da paridade — que foi um dos cavalos de batalha da contestação nos meios da indústria cinematográfica no país, e que levaria, em Fevereiro, ainda antes da cerimónia dos Césares, à demissão da equipa que era presidida desde 2003 pelo produtor Alain Terzian — vai estar igualmente presente na escolha dos outros 42 membros que vão compor a nova administração da Academia.

Segundo avança a imprensa francesa, há 35 duplas candidatas aos 21 lugares, com a curiosidade, por exemplo, de às secções representativas dos actores e dos realizadores se apresentarem dois tandens: Marina Foïs/Antoine Reinartz e Corinne Masiero/Aurélien Recoing, nos primeiros; Philippe Claudel/Marie-Castille Mention-Schaar e Pascale Ferran/Cédric Klapisch, nos segundos.

A eleição vai realizar-se numa assembleia-geral que irá decorrer online, cabendo a escolha — que não precisa de quórum, segundo a AFP — aos 182 grandes eleitores que foram escolhidos há duas semanas.

A sombra de Polanski

Sabe-se já que Roman Polanski não vai participar na reunião, e talvez esse facto apazigue a polémica provocada pela notícia, divulgada a 14 de Setembro, de que o realizador de J’Accuse - O Oficial e o Espião se mantinha na lista da assembleia-geral.

Na altura, Margaret Menegoz explicou que a manutenção do realizador polaco na Academia decorria do seu pedido nesse sentido, e também do facto de os estatutos o permitirem, na sua qualidade de “membro histórico”. “Foram aplicados os estatutos actuais”, disse a presidente interina à AFP.

Foi no cumprimento dos estatutos — mesmo se renovados no passado mês de Julho — que, dos 45 “membros históricos” que até aí integravam a Academia dos Césares, 18 requereram a manutenção do lugar. Entre eles, além de Polanski, estava também o produtor Thomas Langmann, condenado em 2019 por violência doméstica sobre a sua mulher, e o anterior presidente da Academia, Alain Terzian, criticado por promover a “opacidade” e a “falta de diversidade” durante o seu longo mandato.

As reacções não se fizeram esperar. Nos dias logo a seguir, figuras de diferentes sectores do cinema francês manifestaram a sua indignação. “É uma mascarada na qual não podemos participar”, publicou no Instagram Andréa Bescond, realizadora de Les Chatouilles (2018), um filme sobre uma criança vítima de violação. “É favor reagir, mudar esses velhos estatutos, caso contrário, será sem nós”, acrescentou.

No mesmo sentido se manifestou Éric Métayer, actor em Les Chatouilles, que numa mensagem vídeo colocada no Twitter exigiu igualmente a alteração dos estatutos: “Aqueles que não têm nada a fazer aí, é favor irem-se embora”, disse, acrescentando “desta vez, ninguém abandonará a sala, a não ser as pessoas que não têm nada a fazer nela”.

Era uma referência directa ao episódio que marcou a última gala dos Césares, no final de Fevereiro, quando o nome de Polanski foi anunciado como o melhor realizador por J’Accuse - O Oficial e o Espião, e a actriz Adèle Haenel se levantou, gritou “É uma vergonha!” e abandonou a sala, logo seguida de outra actriz, Noémie Merlant, e da realizadora de Retrato de uma Rapariga em Fogo, Céline Sciamma.

Fora dos Óscares

O realizador polaco, como se sabe, continua a mobilizar, entre a França e os Estados Unidos, queixas sucessivas e mesmo processos judiciais com acusações de assédio e violência sexual, desde que em 1977 admitiu ter violado na Califórnia uma adolescente de 13 anos, Samantha Geimer. Polanski foi então detido, mas fugiu do país antes do julgamento, e desde aí não mais pôde voltar à América.

O episódio mais recente do interminável “processo Polanski” foi a perda, no final de Agosto, num tribunal da Califórnia, do seu apelo contra a exclusão da Academia dos Óscares, em Hollywood, que tinha sido decidida em Maio de 2018, na sequência do movimento #MeToo, desencadeado no ano anterior com uma investigação sobre o produtor Harvey Weinstein.

Em França, logo a seguir aos protestos da realizadora e do actor de Les Chatouilles, perto de dois terços dos 182 membros da Academia — e onde pontuavam nomes como os de Marina Foïs, Cédric Klapisch e Pascale Ferran, que surgem entretanto na lista de candidatos à próxima eleição — subscreveram um documento a manifestar “indignação” e a denunciar “uma lamentável falta de transparência”, nada condizente com “a confiança necessária a uma nova governação” da instituição, noticiou o jornal Le Figaro.

Os autores do protesto — entre os quais encontravam também o actor Guillaume Gallienne e o produtor Saïd Ben Saïd —, lembram ainda o facto de entre os 18 “históricos” que quiseram manter-se na Academia só haver duas mulheres, o que vinha igualmente contrariar a “paridade integral” anunciada pela administração interina.

Nessa semana de todos os protestos, soube-se também que dois dos 18 membros históricos que tinham pedido para se manterem na Academia anunciaram a sua demissão, mas sem que os seus nomes fossem divulgados.

Foi perante este ambiente de contestação que Polanski fez saber, no final da semana passada, que não tinha intenção de participar no acto eleitoral desta terça-feira. “Ainda que animado por um profundo respeito para com o trabalho da Academia dos Césares e dos seus 182 membros, Roman Polanski nunca participou nas assembleias-gerais e não pensa fazê-lo também no futuro”, disse o agente do realizador num comunicado enviado à AFP.

Resta saber se esta posição e a eleição da nova equipa para a Academia irão apaziguar a guerrilha que tem marcado o mundo do cinema francês nos últimos meses.

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