O apaziguamento não funciona com autocratas

Se o combate à pandemia e o esforço financeiro do plano de recuperação permitem acreditar que este é o “momento de a União liderar” o mundo em áreas como a descarbonização, na generalização do salário mínimo ou no avanço da transição digital, esta promessa só fará sentido pleno se garantir que as violações da democracia ou do Estado de direito deixarão de ser toleráveis na Europa.

O estimulante discurso da presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen, desta quarta-feira no Parlamento Europeu tem muitas promessas de luz que o populismo nacionalista de Estados como a Hungria não hesitará em extinguir. Se o combate à pandemia e o esforço financeiro do plano de recuperação permitem acreditar que este é o “momento de a União liderar” o mundo em áreas como a descarbonização, na generalização do salário mínimo ou no avanço da transição digital, esta promessa só fará sentido pleno se garantir que as violações da democracia ou do Estado de direito deixarão de ser toleráveis na Europa. A aprovação do plano de recuperação será provavelmente o combate decisivo que a União travará com os vírus internos que corroem os seus valores.

Viktor Orbán já disse que vetará a ratificação do plano de recuperação (que exige unanimidade) se incluir cláusulas que impõem o cumprimento de regras básicas dos tratados como a independência da justiça, a liberdade de expressão ou o respeito pelas minorias. Orbán baseia a sua ameaça na necessidade de se separarem assuntos de feição económica com programas de natureza política. Mas, bem o sabemos pelo passado, esta separação artificial de um programa europeu entre o dinheiro e os valores não passa de um ardil. A Hungria quer beneficiar da solidariedade da União, ao mesmo tempo que despreza e viola a sua identidade democrática. Está na hora (e já é muito tarde) de exigir o cumprimento do artigo 7.º do Tratado de Lisboa e impor ao populista de Budapeste uma escolha: se quer os privilégios europeus, tem de cumprir os valores europeus.

A Europa anda há anos de mais a condescender com as violações ao Estado de direito da Hungria ou da Polónia. Já é tempo de invocar as lições da história e aceitar que o apaziguamento não funciona com autocratas. De resto, ao permitirem aos húngaros partilhar as vantagens da UE sem terem de se responsabilizar pelas exigências dos tratados, os líderes europeus têm favorecido Orbán. Se a Europa acabar já com a sua atitude apaziguadora e os húngaros perceberem que o seu apoio a um autocrata tem um custo, talvez deixem de se enlevar com o discurso populista do seu líder. Não transigir na associação entre os fundos de recuperação e o cumprimento das regras democráticas será, por isso, um incentivo aos que se batem pela democracia na Hungria e um alívio para os que, na Europa, assistem ao desenvolvimento e contágio do vírus autocrático sem que nada se faça para o conter.

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