Presidenciais: quem tem medo de quê?

Tal como Marisa Matias, Ana Gomes também será uma “candidata contra o medo” – a começar pelo medo de discordar da direcção do partido

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rui gaudencio
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Os dados das presidenciais começam a ser lançados. A eurodeputada Marisa Matias é candidata contra “o medo”, “um frente-a-frente com Marcelo Rebelo de Sousa”, e diz que não aceitou ser candidata oficial do Bloco de Esquerda por “jogos partidários” ou “necessidade de palco”, seja lá o que isso for ou quem pretende atingir.

Hoje, a socialista Ana Gomes dirá também ao que vem. Assim de repente, também será uma candidata “contra o medo” – no caso dela, começa por ser candidata contra o simples medo de discordar da linha oficial do partido, a avaliar pelo estado, no que às presidenciais diz respeito, da direcção do PS. Ana Gomes certamente também negará “jogos partidários” ou “necessidade de palco”, embora vá ser acusada disso nos próximos tempos pelos seus opositores dentro do partido e fora dele. É muito provável que também diga que a sua candidatura é “um frente-a-frente com Marcelo”, já que é militante do maior partido português. 

No sábado, é a vez de o PCP apresentar o seu nome para Belém, “um candidato ou candidata”, disse Jerónimo de S0usa, abrindo a porta a que, pela primeira vez na sua história, o PCP avance com uma mulher para as Presidenciais. Se é verdade que os resultados do passado não garantem nenhum futuro, o Bloco parte com o conforto dos mais de 10% que Marisa Matias conseguiu há cinco anos. Os comunistas precisam destas eleições para inverter a tragédia que foi a candidatura de Edgar Silva em 2016 – 3,95%.

Ana Gomes, para já, é uma mulher sozinha dentro do seu partido – a avaliar pelas poucas vozes que apareceram em sua defesa. O silêncio que se abateu entre os socialistas depois de conhecida a decisão da antiga eurodeputada é reveladora do medo – sim, medo – de falar em público sobre uma candidatura que a direcção, mais ou menos embalada com o apoio a Marcelo, não queria.

As presidenciais nunca seriam fáceis para a esquerda, dado o facto de Marcelo ser recandidato ao cargo, embora ainda sem anúncio formal. Apesar de a direita já ter conseguido encontrar dois candidatos que não se revêem no Presidente da República, dificilmente na hora da verdade a direita não acorrerá, na sua maioria, à chamada de Marcelo. Agora, se vão ser muito difíceis para a esquerda, ainda seriam mais se parte da esquerda considerasse normal ou aceitável (como Ferro Rodrigues e Fernando Medina já proclamaram e António Costa, na célebre cena da Autoeuropa, sugeriu) votar no mais qualificado candidato da direita.

Alguma água vai correr ainda debaixo das pontes, nomeadamente entre o eleitorado do PS.

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