O futuro em debate: o crescimento pós-traumático da nossa Educação

Precisamos de mais psicólogos nos contextos escolares. Com mais psicólogos nas escolas, estaremos verdadeiramente a valorizar e promover o bem-estar e saúde mental de alunos e professores.

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Sergio Azenha

Quando achávamos que a globalização e os rápidos avanços tecnológicos, pela contínua incerteza e volatilidade que trazem ao mercado de trabalho, se constituíam como os principais desafios para a Educação, surge a pandemia de covid-19.

Enquanto a globalização e os avanços tecnológicos vão trazendo mudança de forma gradual e minimamente previsível, a covid-19 surgiu subitamente, trazendo implicações e transformações imediatas. Poderíamos dizer que escolas, professores e outros agentes educativos foram atingidos por um terramoto, praticamente sem aviso prévio, sem tempo para se organizarem. Sem a capacidade de antecipar atempadamente o impacto da covid-19 na Educação, sem uma estratégia clara de actuação e perante a ausência de uma adequada preparação para este cenário, em muitos contextos educativos instalou-se a desorganização e o subsequente desgaste físico e emocional, de professores e alunos. O que fazemos então?

A nossa estratégia poderia seguir os passos de países como o Japão. Após um sismo, quando se reconstroem as estruturas de um edifício, não o fazem da mesma forma: implementam as modificações necessárias para que possa fazer face a terramotos de similar magnitude. É esta postura que, se aplicada ao nosso sistema educativo, permitiria transformar as repercussões negativas da covid-19 em crescimento e evolução. Na Psicologia, chamamos a estes processos “crescimento pós-traumático”, em que a partir da resolução de adversidades surgem níveis mais elevados de funcionamento.

Há seis meses, mudar era importante, mas não era urgente. A pandemia veio trazer essa urgência, mas também a oportunidade de (re)construirmos uma Educação melhor. Pensando nos desafios da nossa realidade, centrados no presente e direccionados para o futuro, o grupo de profissionais da área da Educação que integra a plataforma 100 Oportunidades, um projecto que visa promover a participação de jovens especialistas no debate público, identificou áreas prioritárias de acção que foram divulgadas no documento “50 medidas para um debate intergeracional de fundo na sociedade portuguesa pós-covid-19”.

Não sabemos, neste momento, se estaremos a viver na parte final da história covid-19, ou se este será apenas mais um dos seus capítulos. Como tal, é fundamental, promover uma maior eficácia do ensino à distância. Nestas circunstâncias, o processo de ensino e aprendizagem não deve ser uma réplica das metodologias adoptadas presencialmente. Uma medida necessária seria proporcionar um conjunto de actividades de formação aos professores que os orientassem na forma como estruturam e gerem as suas aulas, tornando-as mais breves, interactivas e práticas, tal como recomendado por várias linhas orientadoras internacionais.

Os alunos têm também um papel fundamental no processo de aprendizagem. Precisamos prepará-los para esta nova realidade, favorecendo a sua capacidade de adaptação. E para tal, precisamos de implementar iniciativas que promovam o desenvolvimento de competências transversais. Um artigo recente do World Economic Forum alertava para o problema das “skills gap” (disparidade de competências), alertando para a actual discrepância entre as competências que os alunos e trabalhadores têm e as competências necessárias para o mercado de trabalho. A aposta em competências transversais representa mais do que preparar os alunos para um mercado de trabalho em constante transformação. São competências de futuro com impacto no presente, quer na sua vida académica quer vida pessoal.

Perante a incerteza e imprevisibilidade que actualmente atravessamos, precisamos potenciar nos alunos competências como a gestão de tempo e auto-regulação do estudo, para que se tornem cada vez mais autónomos, e competências como a capacidade de adaptação e robustez emocional, porque é dessa forma que se promove a resiliência. E para desenvolver este trabalho com seriedade, rigor e eficácia, precisamos de mais psicólogos nos contextos escolares. Com mais psicólogos nas escolas, estaremos verdadeiramente a valorizar e promover o bem-estar e saúde mental de alunos e professores. Os psicólogos, através das suas intervenções com elevado potencial de transformação do comportamento, actuam de forma abrangente, não só com alunos, mas também com pais numa perspectiva de aconselhamento parental e com professores numa perspectiva de consultoria. Mas um psicólogo por cada 1645 alunos é claramente insuficiente e claramente inferior às recomendações mínimas internacionais de um psicólogo por cada 1000 alunos

Podemos não ter muitas certezas sobre o que aí vem, mas com uma forte preparação formativa dos professores, um foco no desenvolvimento de competências transversais nos alunos e com um número adequado de psicólogos em cada contexto escolar reuniremos certamente as condições para assegurar a resiliência e o crescimento pós-traumático da nossa Educação.

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