No Largo do Paço, Tiago Bonito traz à mesa Portugal e histórias de família

O que é que mudou com a pandemia na cozinha do estrelado restaurante da Casa da Calçada, em Amarante? Na verdade, não mudou muita coisa. Consistência e qualidade do produto continuam a ser a pedra-de-toque dos menus de Verão.

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Pescada de anzol, berbigão, cogumelos selvagens, salsa DR
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Porco ibérico, amêijoas, batata sauté DR
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A Casa da Calçada, em Amarante DR

Tiago Bonito não hesita um segundo e responde assim: “Sou sincero, não notei grande diferença.” A pergunta era sobre a forma como a pandemia de covid-19 alterou o funcionamento de uma cozinha distinguida com uma estrela Michelin – no caso, a do restaurante Largo do Paço, em Amarante.

Terminámos o almoço de domingo, praticamente quatro horas a ver desfilar pratos de assinatura enquanto o Tâmega corre lá fora, sereno, numa tarde quente de Agosto, e estamos sentados com o chef no bar da Casa da Calçada, hotel de charme que pertence à rede Relais & Châteaux. “É claro que redobrámos alguns cuidados, sobretudo ao nível da desinfecção e da descartonagem de tudo o que nos chega, mas, no fundo, as nossas rotinas não se alteraram muito.” O mais difícil, conta, é ter de estar sempre “a pôr e a tirar a máscara” para provar o que se vai cozinhando. De resto, tudo (quase) normal numa cozinha Michelin.

A Casa da Calçada reabriu a 4 de Junho e de então para cá já começou a recuperar a confiança dos hóspedes e clientes. “Aos poucos, estamos a voltar à rotina”, descreve Tiago Bonito, que está optimista com o futuro. “Perdemos um bocadinho de mercado, é óbvio. O nosso cliente de Setembro, por exemplo, era principalmente do mercado brasileiro, alemão e francês, que vinha para as vindimas. Agora estamos a trabalhar mais com o cliente nacional, essa é uma mudança evidente, mas, em termos de restaurante, estamos a funcionar muito bem”, garante o chef. Apesar das necessárias adaptações, o mais importante continua a ser “o ADN do Largo do Paço, a consistência da sua cozinha e a qualidade do produto”.

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Tiago Bonito, o chef do Largo do Paço DR

É nesta tríade que se joga a forma como são construídas as propostas que, a cada temporada, se servem aos clientes. O serviço à carta está sempre disponível, mas a principal aposta do restaurante são os menus de degustação, que neste Verão se chamam Caminhos e Identidade. Neste almoço de domingo, numa casa muito bem composta (a sala recebe, agora, um máximo de 24 pessoas), provamos o primeiro, que, nas palavras de Tiago Bonito, é uma carta que fala sobre o seu percurso profissional, as suas “pegadas”. Identidade é um menu “mais de evolução, de cozinha mais vanguardista”. “Ambos se complementam. O Caminhos é o início, para a pessoa experimentar e ficar com vontade de vir conhecer o outro.”

Pescada, a estrela da tarde

Começamos com as saudações do chef: macaron de espargos com alface e copita de porco; falsa rocha de mousse de queijo, mirtilo fermentado e mel; tacos de tártaro de novilho e bacalhau à Brás, que foi o favorito. O head sommelier David Teixeira escolheu para este momento o espumante Portal da Calçada.

Chegam-nos entretanto à mesa o brioche com massa-mãe, feito na casa, e um trio de manteigas: dos Açores, fumada e de pimento vermelho e tomate – esta, apesar de não sermos fãs de pimento, reuniu as preferências. Avançamos para o “Caviar”, servido com gema a baixa temperatura, e em seguida para o “Jardim do Chef”, um prato vegetariano e que é uma homenagem de Tiago Bonito à mãe.

“Os meus pais são agricultores, cultivam muita coisa, e ela é uma apaixonada por flores. É muito dedicada ao cantinho dela e eu quis evocar as memórias que tenho dessas coisas”, explica o chef. Para além da homenagem, este prato, visualmente bonito, é uma explosão de verduras e brotos, perfumada com o cheiro dos dias da infância de Tiago Bonito.  “Eu sou da zona da Coimbra [Montemor-o-Velho] e nos campos à beira do Mondego havia muita camomila. Um aroma que acabei por trazer para este jardim”, sorri.

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Lírio, ostra, iogurte e pepino DR

David Teixeira já nos serviu o Quinta dos Carvalhais Encruzado 2016, que mantemos no copo para acompanhar o “Lírio”, um refrescante prato de peixe com alga nori e gelado de iogurte e pepino, que, embora usando pescado dos Açores, de certa forma reflecte as viagens de Tiago Bonito à Ásia. E que é, também ele, um prato de memórias. “O pepino lembra-me os dias de Verão, as sardinhadas em família.”

E passamos à pescada de anzol, o prato que merece a estrela da tarde. É grelhada, com um toque fumado, acompanha com puré de raiz de salsa e gel de salsa, tem berbigão, cogumelos selvagens e jus de aves. É uma reinvenção da pescada à poveira, “um prato de pescadores”. “Sou muito ligado ao mar. A minha primeira paixão é a cozinha, a segunda é a pesca. E com este prato quero falar um bocadinho sobre isso.”

Porque o menu Caminhos é também um menu que percorre o país, viaja-se em seguida até ao Alentejo, com uma proposta terra e mar: porco ibérico que vem de Estremoz, alimentado 100% a bolota, e amêijoas da ria Formosa. Acompanha com Esporão Reserva Tinto 2016.

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A sala do Largo do Paço DR

A pré-sobremesa é gelado de iogurte e caldo de morango e a sobremesa propriamente dita chama-se “Tutti-Frutti”, que mais não é do que uma evocação da salada de frutas que todos comemos em casa usando os frutos da época. Tiago Bonito abrilhanta-a com gelado de baunilha e regaliz. No copo temos agora um Quinta da Madre de Água Colheita Tardia 2017.

Com o café chegam os petits fours, que incluem corneto de pastel de nata, lollipop de limão, napolitana e falso amendoim, que de falso só tem quase o nome. Trinca-se e é como se o sabor do dito realmente assomasse à boca. Podemos pedir mais um, chef?

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