Dia 89: Quando os avós têm saudades dos... filhos

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Ana,

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No outro dia dei por um momento em que estavas rodeada por cinco crianças a reclamarem a tua atenção, cada uma tentando falar mais alto do que a do lado, puxando-te pelo braço para que olhasses para ela, e a escutasse só a ela. Nada de invulgar se não fosse o facto extraordinário de uma delas era eu! Exactamente, eu, a tua mãe, a avó daquelas criaturas a rivalizar com elas, ansiosa por te cativar para o “meu” assunto, desejosa de que me ajudasses no “meu” projecto do momento. E tu, na tua infinita paciência, tentavas responder a todos, dividindo-te e subdividindo-te as vezes que era necessário. Tiro-te o chapéu e gabo-te a paciência.

Mas este segundo em que subitamente me vi de fora, fez-me pensar numa coisa que me faz falta, que talvez faça falta a tantos avós, mas que ou não lhe deram nome ou temem confessá-lo: saudades dos filhos. Saudades dos amigos em que os filhos se tornaram. De momentos em que é possível falar com eles, saber deles, sem interrupções, de falar de outras coisas que não os netos, de discutir política ou religião, de ter uma conversa com princípio, meio e fim, de rirmos juntos. De praticarmos a arte da coscuvilhice e de pôr a má-língua em dia. Saudades de ter os filhos juntos, irmãos com irmãos, só eles e nós, porque na verdade são as nossas pessoas favoritas no mundo.

Esta consciência, no entanto, não me chega desprovida de culpa, porque é inevitável lembrar-nos de como os nossos próprios pais nos pediram tantas vezes essa companhia e, vamos ser francos, demo-la só com meio coração, a despachar, porque não nos provocavam a mesma adrenalina, nem o mesmo prazer do que conversar com a nossa melhor amiga, ou... Com os nossos próprios filhos. Ou seja, tenho medo, temos medo, de nos tornarmos nuns chatos.

Como podemos dar a volta a isto?


Querida Mãe,

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Aviso já que esta carta vai parecer lamechas e politicamente correcta, mas reflecti do fundo do meu ser e cheguei a esta conclusão, por isso prometo dizer a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade.

Não sei se posso ou não generalizar por isso vou usar o eu. EU também tenho imensas saudades desses momentos. EU não sinto de maneira nenhuma que é um “frete”. Eu também morro de saudades de estar em conversa à mesa com irmãos e pais sem ninguém a reclamar o palco de cinco em cinco minutos. Penso nisso frequentemente. Larguei essa expectativa porque normalmente é irrealista, mas não porque não seja das coisas que mais me faz falta.

E mais: o contrário também acontece. Quantas vezes as mães e os pais não se sentem postos de lado pelos avós? Parece que não vêem mais nada senão os netos e que cada vez que entramos pela porta a festa é para eles. Quando ligamos é para saberem deles. E dizem muito mais vezes “Temos saudades deles” do que “Temos saudades vossas!”. Parece que desde que engravidámos perdemos a identidade e passámos aos olhos de todos a ser a “mãe de...” (por isso é que odeio que nas escolas não nos tratem pelo nome).

Moral da história: Os culpados são os netos (!) que nos absorvem a todos, tanto que nem reparamos no que nos está a fazer tanta falta! Mas agora que sabemos que isto é mútuo, o que podemos fazer? A tentação pode ser dizer “Quando estivermos juntos vamos mesmo falar sobre outras coisas que não eles, ou vamos mandá-los brincar um bocado sozinhos...”, mas é muito provável que isso não aconteça e acabe numa enorme frustração. Por isso resta-nos mesmo investir num espaço e num tempo especial, pedindo um babysitting externo ou pedindo ao pai para ficar com os miúdos enquanto passamos uma “noite de irmãos” em casa dos pais.

Quando isso não dá, e às vezes não dá mesmo, há um truque que todas as mães usam e que se pode twist para pôr as mães/filhas juntas no mesmo sitio enquanto se faz as coisas que precisam mesmo de ser feitas: ir ao supermercado mas em simultâneo! Ou, marcar o cabeleireiro e a depilação no mesmo sítio e à mesma hora. Ou pedir que nos acompanhem a uma consulta – de preferência uma em que se espere imenso tempo para entrar.

Se tudo isso falhar tenho uma fantasia que é a seguinte: marca-se com a avó/mãe — ou uma amiga muito próxima com quem nunca se consegue falar por causa dos miúdos — andar de elevador. Pede-se a alguém para “estragar” o elevador durante umas horas e pede-se aos técnicos para demorarem o seu tempo a resolver a avaria. Consegue imaginar o paraíso? Podermos estar sentadas no chão a conversar sem interrupções ou qualquer tipo de culpa porque não podemos estar em mais sítio nenhum? Ouvi dizer que o do Ikea é confortável...

Beijinhos!


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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