Nação covid

Num país marcado pela covid, os sinais de mais entendimentos ao centro são cada vez mais fortes.

No dia seguinte a ter eliminado da agenda os debates quinzenais com o primeiro-ministro, o Parlamento reúne-se esta sexta-feira para o debate sobre o Estado da Nação. E se os debates quinzenais acabaram por tirar alguma importância ao modelo inaugurado por Cavaco Silva em 1993, também não seria previsível que o desta sessão legislativa fosse especialmente marcante, a não ser que sirva para confirmar sinais que andam no ar.

A responsabilidade é obviamente do assunto que continua a ser a conversa de todos os dias. Se, em Janeiro, António Costa poderia ousar pensar que chegaria a Julho ainda com o histórico superavit no horizonte, apesar de em Março Marcelo Rebelo de Sousa falar de “fim de ciclo”, veio a covid e varreu isso tudo para o campo das possibilidades não-verificadas e, com o mesmo gesto, suspendeu também, por alguns meses, a oposição.

Se, responsavelmente, a crítica arrefeceu durante um período de crise nacional, não é a falar de como aqui chegámos que a oposição conseguirá amealhar pontos, até porque, como mostra a sondagem PÚBLICO/RTP, quase dois terços dos entrevistados não vêem que outro partido pudesse ter melhores resultados do que o actual executivo. 

O tema terá de ser o futuro, e o futuro ainda é covid, pelo lado da pandemia e seguramente pelo lado das consequências económicas. E quem olhar para a receita que está traçada no documento estratégico para a recuperação de Costa Silva, ou para as soluções que vêm da Europa com o acordo para o Fundo de Recuperação e para o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, percebe que está montado o cenário para a necessidade de acordos de regime. E, aí, a esquerda, que continua a não lucrar eleitoralmente com o apoio ao Governo, sente-se muito pouco à vontade, ao contrário do outro possível parceiro, o PSD.

Toda a política se alterou, como bem assinala São José Almeida na edição desta sexta-feira. O Rui Rio que em Janeiro reprovou o Orçamento do Estado viabilizou, entretanto, o Orçamento Suplementar e concertou-se com o PS no Parlamento numa série de decisões, da qual o fim dos debates quinzenais é só a última, mesmo que provavelmente a mais significativa. Notoriamente, eliminou-se mais uma superfície de fricção entre PSD e o Governo. Já António Costa sintonizou-se no mesmo comprimento de onda, assinalando recentemente que “o PSD não tem peste”, mesmo que a expressão “bloco central” lhe continue a suscitar alguma aversão.  

O que nenhum dos dois pode negar é que, num país marcado pela covid, os sinais de mais entendimentos ao centro são cada vez mais fortes. É a força desses sinais que vai valer a pena tentar perceber no debate de hoje, para entender melhor o estado da nação política.

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