Veranear como um médico: viagens de carro, ficar por Portugal e atenção às reuniões de família

Seis especialistas em saúde pública contam ao PÚBLICO como serão as suas férias de Verão durante uma fase em que o país tenta controlar novos casos de infecção com o novo coronavírus. Mesmo em tempos de maior descontracção, as regras que o país aprendeu desde o início da epidemia devem ser sempre respeitadas.

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De cima para baixo, da esquerda para a direita: Mariana Neto, Mariana Carrapatoso, Elisabete Ramos e Duarte Vital Brito Daniel Rocha, Nelson Garrido e Rui Gaudêncio

Vão privilegiar as deslocações por Portugal, principalmente para a região Norte, as viagens de carro, as idas à praia em horas de pouco movimento e os alojamentos locais ou casas de família. Este ano, os festivais e as “festas de aldeia” ficam de fora e as reunião de família ou amigos vão ter mais regras: actividades ao ar livre, com menos pessoas e com o distanciamento físico sempre presente.

O PÚBLICO perguntou a seis médicos de saúde pública, infecciologistas e pneumologistas — profissionais que muito sabem sobre o vírus que causa a covid-19 — como serão os seus planos de Verão, se a pandemia do novo coronavírus os obrigou a mudar alguma coisa e o que não pensam mesmo fazer, pelo menos nos próximos meses.

Mariana Neto, médica de Saúde Pública do Departamento de Epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge, começa por dizer que a pandemia não lhe cancelou os planos, mas que dada a imprevisibilidade do vírus não pensa ausentar-se para muito longe. “É uma coisa que partilho com a maior parte dos meus colegas. Acho que quem tiver a oportunidade de gozar férias não as vai gozar para muito longe nem por muito tempo”, diz ao PÚBLICO.

A médica vai aproveitar para passar tempo em Lisboa e para estar com a família próxima com quem ainda não esteve desde o início “disto tudo”. É outra das coisas que diz partilhar com os colegas, que também têm tido “muita dificuldade” em estar com os pais, por exemplo.

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A médica Mariana Neto DANIEL ROCHA

Duarte Vital Brito, também médico de saúde pública, acredita que para os profissionais de saúde esta seja uma altura complicada para marcar férias porque “para uns irem de férias os outros terão de assegurar os serviços”. “Os serviços não param ao fim de semana ou quando as pessoas vão de férias, mas é essencial que os profissionais tenham férias porque as forças de trabalho estão exaustas”, diz o também membro da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP). “Ainda assim, não é por estarmos de férias que o vírus não se propaga, as pessoas não têm ‘vírus’ escrito na testa e no caso dos assintomáticos a manifestação de sintomas nem é clara”, afirma, recordando o surto no parque de campismo em Grândola.

Alojamento local, casas de famílias ou hotéis?

Os especialistas que conversaram o PÚBLICO têm planos de férias semelhantes e vão todos optar por alojamentos locais com pouco movimento ou casas de família para passar algumas semanas.

Cláudia Carvalho, médica do Serviço de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar Universitário de São João, já tinha as férias planeadas: ia para fora do país, mas, em Março, quando a pandemia chegou a Portugal, com especial força ao Norte, “percebeu que tudo ia ser diferente”. “Tenho sorte porque a minha família tem uma casa de praia no Norte litoral, em Castelo de Neiva, e há muitos anos que passamos uma temporada lá. Este ano vamos passar mais tempo ainda”, conta a médica, que também tem nos planos “uns dias na Serra da Estrela” e vai privilegiar espaços que tenham actividades seguras para crianças por causa do filho, de sete anos.

E as idas a restaurante? 

Mariana Neto conta que as suas idas a restaurantes deram uma volta de 180 graus. “Tomo atenção a coisas que normalmente não tinha: observar como é feita a desinfecção das mesas ou a substituição do papel de mesa, como voltam a colocar a louça para os clientes seguintes, qual a distância de separação. E tento perceber se o pessoal da cozinha está todo com máscara”, detalha a médica do INSA.

Mas nem todos os especialistas voltaram, para já, aos restaurante e à companhia habitual dos amigos. “Hoje vai ser a primeira vez que eu e a minha namorada vamos fazer um jantar com dois amigos que também são namorados e que também vivem juntos, numa perspectiva de minimizar o risco de infecção. Se alguém estiver infectado só vamos gerar três contactos”, refere Duarte Vital Brito, médico que tem nos planos umas férias num alojamento local com poucos quartos em Vila Nova de Milfontes, no Alentejo.

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Duarte Vital Brito Rui Gaudêncio

E as reuniões de família?

Mariana Neto é da opinião que as reuniões de família e de amigos têm de ser avaliadas caso a caso e as regras que funcionaram até agora para conter a pandemia não devem ser esquecidas, mesmo em momento de maior descontracção. “Se for reunir-me com a minha família, vou insistir muito para que as regras sejam cumpridas”, refere.

Já Raquel Duarte, do Instituto Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), diz que é comum existir confusão entre família próxima e familiares afastados que não vemos com muita frequência. A médica de saúde pública afirma que estas reuniões devem ter uma lista de convidados mais reduzida. “Se por acaso um de nós estiver infectado é mais fácil a saúde pública identificar os contactos e promover o isolamento. É tudo mais fácil se soubermos quem são as pessoas que nos rodeiam e é diferente controlar 20 contactos e 100 contactos”, atalha.

Praia ou piscina?

Raquel Duarte não gosta de excluir actividades durante esta altura, regra que também não vai aplicar às idas a praias e piscina. “Se me apetecer ir à praia ou à piscina tenciono fazê-lo, vou é manter todos os cuidados. Se a praia estiver vazia e me permitir estender a toalha, apanhar um bocadinho de sol, passear, dar um mergulho em segurança, claro que irei aproveitar”, diz Raquel, acrescentando que todas as actividades que fizer nas férias vão obedecer às regras de ouro que todos aprendemos até agora: distanciamento, isolamento social, desinfecção das mãos.

Neste campo de praias ou piscinas, actividades muito populares durante os meses mais quentes, Mariana Neto diz ter um hábito de muitos anos que agora lhe pode valer de muito, principalmente tendo em conta a ocupação dos areais nos dias de maior calor. “Tenho uma questão pessoal que é gostar de ir muito cedo de manhã e regressar quando começa a maior incidência do sol, e vou continuar a fazer isso”, diz.

Mais actividades ao ar livre

Elisabete Ramos, professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, afirma que a pandemia veio mudar não só o tipo de actividades, mas também a forma como estas são organizadas. “O Verão permite mais actividades ao ar livre e, mais do que isso, podemos escolher noutras actividades que não eram tão pensadas por a praia estar mais como primeira opção”, refere a investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP). Vai passar o Verão na casa dos pais, em Caminha.

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Elisabete Ramos Nelson Garrido

Já Cláudia Carvalho vai dar prioridade aos contactos com a família mais próxima em piqueniques ou churrascos ao ar livre, para “evitar que as pessoas estejam em ambientes fechados com pouca ventilação”.

Raquel Duarte conta que está a pensar “ficar por casa” e aproveitar a cidade do Porto, onde vive e trabalha, durante esta altura. “Se tudo correr tudo bem vou passear, andar de bicicleta, privilegiar actividades ao ar livre, afastar-me das multidões porque o vírus está aí”, refere a investigadora do ISPUP. 

Coisas que fariam, mas que não vão fazer

No Verão de Mariana Carrapatoso, médica de saúde pública, este ano vão “faltar” as idas mais frequentes a restaurantes e as viagens internacionais. “Era sempre comum uma viagem de avião para outro país e este ano vão ser evitadas”, diz, acrescentando que o Douro será, em princípio o seu destino de férias.

A também integrante da direcção da ANMSP diz que as visitas a familiares de aldeias do interior devem ser pensadas com cuidado. “No Verão aproveitamos para visitar familiares de aldeias mais do interior do país e preocupa-me a questão de podermos ser nós a introduzir a doença nesses locais. É importante que mantenhamos o afastamento das pessoas, mesmo as que não vemos há algum tempo”, aconselha a médica. E Duarte Vital Brito junta-se ao coro: “É preciso ter atenção aos familiares mais velhos”.

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Mariana Carrapatoso NELSON GARRIDO

Já Cláudia Carvalho, médica do Serviço de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, recorda outro traço muito característico dos verões portugueses. “Principalmente no Minho, tudo o que é terra tem, nesta altura do ano, as festas populares que muitas vezes são de cariz religioso e que marcam sempre o rosto do Verão. Sem dúvida será uma coisa que vou notar, a falta daquele ambiente de festa na aldeia. Vai ser muito diferente.”

Os festivais de música também não têm luz verde dos médicos com que o PÚBLICO conversou, mesmo que não tivessem sido cancelados. “Mesmo que acontecessem acho que ninguém com consciência do problema iria participar porque o risco é enorme. Eu era um ávido consumidor de concertos e desde que isto começou não fui a nenhum, ainda não sinto totalmente seguro num ambiente fechado”, diz Duarte Vital Brito.

Ainda que existam muitas actividades “proibidas” e a evitar enquanto o vírus circular em território nacional, Mariana Neto resume a ideia transmitida pelos profissionais de saúde que conversaram com o PÚBLICO: “Devemos fazer a nossa vida normal, o lazer também é uma necessidade e bem precisamos dele depois destes meses tão complicados, mas temos a obrigação de respeitarmos as normas e de sensibilizarmos as outras pessoas para que as cumpram”.

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