“Não podemos perder a Geração Corona”, apela a OCDE. Jovens e mulheres são os mais afectados pela crise de covid-19

Os jovens arriscam, mais uma vez, a ser um dos principais perdedores durante a crise que “está a ter um impacto maior nuns trabalhadores do que noutros”, alerta o novo relatório da OCDE. “A crise não pode resultar numa geração perdida cujas carreiras são permanentemente diminuídas pela disrupção do mercado de trabalho.”

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Miguel Manso

Já se sabia o que o novo relatório da OCDE veio confirmar: jovens e mulheres estão mais vulneráveis ao desemprego e à pobreza, na pior crise de emprego desde a Grande Depressão.

No relatório Perspectivas de Emprego, agora divulgado, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) apela à acção urgente “para prevenir que a crise deixe cicatrizes duradouras nas carreiras das pessoas jovens”. “Os países precisam de agir rapidamente para ajudar os jovens a manterem ligações com o mercado de trabalho e o sistema de educação”, lê-se no documento que assinala a resposta “sem precedente” que a generalidade dos países que integram a organização deu à primeira fase da pandemia de covid-19, como forma de mitigar o impacto na economia, nas empresas, no emprego e no rendimento das famílias.

Os finalistas deste ano, muitas vezes apelidados como “a turma covid-19”, estão a deixar as escolas e as universidades com parcas oportunidades de encontrarem emprego ou experiências de trabalho a curto prazo. Ao mesmo tempo, muitos dos millennials mais velhos estão a passar pela segunda grande crise económica nas suas curtas e instáveis carreiras, como o P3 já tinha escrito em Maio. O relatório lembra que as experiências iniciais no mercado de trabalho têm uma “influência profunda” ao longo da vida profissional, com uma crise a deixar “impactos duradouros” em termos de futuras oportunidades de emprego e ordenados. “

“O fecho das escolas aumentou o risco de abandono escolar e os contratos temporários não vão ser renovados. Muitos estágios e formações estão a ser cancelados”, observa o relatório.“A crise não pode resultar numa geração perdida de pessoas jovens cujas carreiras são permanentemente diminuídas pela disrupção do mercado de trabalho”, escreve o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría. “Após a crise financeira global, os governos demoraram demasiado tempo a lidar com as dificuldades dos jovens no mercado de trabalho, deixando-os com cicatrizes duradouras que ainda eram visíveis antes do surto de covid-19. Não há tempo a perder para criar um pacote de políticas que assegure que nenhum trabalhador jovem é deixado para trás.” E conclui: Não podemos perder a Geração Corona.”

Num cenário de ofertas de emprego escassas, as empresas deveriam ser encorajadas a organizar experiências de trabalho, contratando recém-graduados ou oferecendo estágios ou formações, sugere o relatório. Os governos deveriam promover este tipo de medidas atribuindo “apoios específicos às empresas que oferecem empregos a jovens”, o que “já mostrou ser uma ferramenta eficiente para promover criação de trabalho em tempos de crise”. A análise também vê vantagens no voluntariado. “Em tempos de pouca oferta de emprego, o voluntariado pode ser uma alternativa útil para os jovens ganharem experiência prática e adquirir novas competências, o que os governos poderiam encorajar com bolsas.”

Os jovens “tendem a ter trabalhos mais precários” e estão “sobrerrepresentados entre os trabalhadores nas indústrias mais atingidas”, como o turismo e a restauração. No Reino Unido, individualiza o relatório, mesmo se forem excluídos os estudantes com part-times, os trabalhadores com menos de 25 anos tinham duas vezes e meia mais probabilidade de trabalhar em sectores que fecharam devido às medidas de contenção do SARS-CoV-2. Nos trabalhadores vindos do ensino profissional, Portugal é o país com mais contratos a prazo: atinge quase 50% dos trabalhadores.

Crise “vai lançar um longa sombra sobre a economia”

A agência Lusa analisou outras secções do relatório. O número de ofertas de emprego online, salientam, caiu 35% entre 1 de Fevereiro e 1 de Maio — tendo-se mantido as ofertas congeladas no início de Junho, apesar do processo de reabertura das economias — e o total de horas trabalhadas caiu dez vezes mais nos primeiros meses desta crise do que o registado na anterior. Os dados disponíveis indicam que a pandemia pulverizou em poucos meses o que demorou mais de uma década a atingir em termos da taxa de emprego, que tinha entrado em 2020 a bater um recorde de 68,9%.

O relatório salienta que os novos desempregados inscritos nos primeiros meses de pandemia faziam antever que a taxa de desemprego iria atingir níveis mais elevados do que os registados durante a crise financeira de 2007/2008, mas precisa que o “choque” no mercado de trabalho é ainda maior. “Apesar de uma grande parte dos trabalhadores ter ficado em teletrabalho, o número de pessoas a trabalhar colapsou devido ao facto de as empresas terem congelado novas contratações e terem parte dos trabalhadores em medidas de apoio ao emprego”, refere o documento.

Para a OCDE, as medidas devem ser tomadas tendo em conta o equilíbrio entre travar novos contágios e a reabertura da economia e, neste contexto, sugere que os países alarguem os mecanismos de pagamento de baixas por doença, permitindo aos trabalhadores ficar em casa de quarentena em caso de infecção. “De forma a contribuírem para um desconfinamento ordeiro, os países devem considerar manter mecanismos extraordinários de baixa por doença e alargá-los aos trabalhadores que ainda não estão cobertos [por este tipo de apoio] como os que têm contratos de zero horas”, aponta o relatório.

Tendo em conta que as projecções apontam para que a taxa de desemprego ultrapasse os máximos registados na anterior crise da década passada e que apenas em 2021 se começará a observar alguma recuperação, o relatório indica também mudanças ao nível dos apoios aos desempregados, admitindo que em alguns casos seja viável adequar o prazo de atribuição dos subsídios de desemprego à taxa de desemprego. Ao mesmo tempo propõe que os trabalhadores que tenham perdido o seu emprego nesta crise possam ter apoio para encontrar um novo trabalho. Neste contexto, sugere que sejam retomadas as políticas de procura activa de emprego.

Na mensagem que abre o relatório, Angel Gurría avisa que esta crise “vai lançar um longa sombra sobre a economia mundial” e refere que, em 2021, o rendimento disponível “per capita” da maioria dos países vai voltar aos níveis de 2016. Num cenário de segunda vaga de contágios, o recuo vai para o nível de 2013.

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