Novo dinossauro de Portugal era um “caçador da Lusitânia”

O dinossauro carnívoro Lusovenator santosi inclui no nome uma referência à Lusitânia, a província mais ocidental do império romano, e a José Joaquim dos Santos, paleontólogo amador tem encontrado diversos fósseis na região Oeste de Portugal. Trata-se de uma espécie e de um género novos para a ciência.

Foto
Ilustração científica do Lusovenator santosi Carlos de Miguel Chaves

A descoberta de um novo dinossauro carnívoro em Portugal – o Lusovenator santosi – acaba de ser descrita na revista científica Journal of Vertebrate Paleontology por uma equipa de paleontólogos portugueses e espanhóis. Este dinossauro carnívoro “português” viveu no Jurássico Superior, há cerca de 145 milhões de anos, na Bacia Lusitaniana.

Coordenada pela paleontóloga Elisabete Malafaia, do Instituto Dom Luiz (IDL), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o estudo contou com a colaboração de paleontólogos ligados ao IDL, ao Grupo de Biologia Evolutiva da Universidade Nacional de Educação à Distância (em Madrid, Espanha), à Sociedade de História Natural (Torres Vedras) e ainda ao Museu de História Natural do Condado de Los Angeles. O português Pedro Mocho e os espanhóis Fernando Escaso e Francisco Ortega são os restantes autores do artigo científico.

A nova espécie foi identificada a partir fósseis recolhidos nas duas últimas décadas nas praias de Valmitão (Lourinhã) e de Cambelas (Torres Vedras), relata um comunicado de imprensa sobre a descoberta do Lusovenator santosi. No início, os fósseis foram atribuídos a um animal relacionado com o género de terópodes Allosaurus, um dos grupos de dinossauros carnívoros mais bem conhecidos e abundantes do Jurássico Superior. Os terópodes, dinossauros bípedes, geralmente carnívoros, tinham no Tyrannosaurus rex, um primo do Allosaurusum dos membros mais famosos deste grupo.

“Contudo, uma análise mais detalhada dos exemplares identificou um conjunto de características exclusivas que permitiu estabelecer este novo género e espécie”, refere o comunicado a propósito do Lusovenator santosi. Afinal, o animal está relacionado com os carcarodontossauros, grupo de dinossauros até agora desconhecido em níveis geológicos tão antigos no hemisfério Norte. Podia atingir, pelo menos, três metros de comprimento. 

Foto
José Joaquim dos Santos, o responsável pela descoberta dos fósseis, com Elisabete Malafaia DR

Os carcarodontossauros, que incluem alguns dos maiores predadores que viveram na Terra, estão bem representados no Cretácico Inferior (há cerca de 130 milhões de anos) da Europa, em espécies de porte médio. Já do final do Cretácico (há cerca de 100 milhões de anos), formas de maior tamanho são abundantes em diferentes áreas do hemisfério Sul, como o Carcharodontosaurus em África e o Giganotosaurus na Argentina. Na Península Ibérica, o grupo estava representado apenas pela espécie Concavenator corcovatus, identificada na jazida de Las Hoyas (Cuenca, Espanha) por alguns paleontólogos responsáveis agora por esta descoberta em território português.

No entanto, o registo fóssil de carcarodontossauros mais antigo conhecido em todo o mundo era de África – mais exactamente, da Tanzânia. Agora a nova espécie identificada em Portugal é sensivelmente da mesma idade do que os fósseis africanos e constitui a primeira prova da presença deste grupo de dinossauros no Jurássico Superior do hemisfério Norte, sublinha-se ainda no comunicado. Em suma, este grupo de dinossauros carnívoros estava presente cerca de 15 milhões de anos mais cedo do que se pensava até agora no hemisfério Norte – em particular, na Europa.

Homenagem a José Joaquim dos Santos

O nome genérico atribuído ao animal (Lusovenator) significa “caçador da Lusitânia”, referência à província mais ocidental do império romano. O nome específico (santosi) é uma homenagem a José Joaquim dos Santos, um carpinteiro e paleontólogo amador que já encontrou diversos fósseis na região Oeste de Portugal, conhecida pela sua riqueza em fósseis de dinossauro do Jurássico Superior.

Foto
José Joaquim dos Santos, o responsável pela descoberta dos fósseis, junto do modelo de um fémur de saurópode DR

Durante mais de 30 anos, José Joaquim dos Santos descobriu jazidas com fósseis de dinossauros (e não só) na faixa costeira do Oeste do país, em colaboração com grupos de cientistas que trabalham na região. A colecção de fósseis descobertos por José Joaquim dos Santos pertence agora à Câmara Municipal de Torres Vedras e é gerida pela Sociedade de História Natural de Torres Vedras.

“Esta colecção é um importante espólio para o conhecimento das faunas de vertebrados do Jurássico Superior da Bacia Lusitânica, tendo permitido nomeadamente a descrição de diversas novas espécies de dinossáurios, incluindo o saurópode Oceanotitan dantasi e o pequeno ornitópode Eousdryosaurus nanohallucis, bem como a tartaruga Hylaeochelys kappa”, destaca ainda o comunicado.

O nome específico do Oceanotitan dantasi é também uma homenagem a um paleontólogo português, desta vez a Pedro Dantas, um dos responsáveis pelo renascimento da paleontologia de vertebrados em Portugal nos anos 90, então investigador do Museu Nacional de História Natural e da Ciência em Lisboa, e que depois se tornou professor numa escola secundária no concelho da Lourinhã, além de colaborar com a Sociedade de História Natural de Torres Vedras.

Em relação à Bacia Lusitaniana, ela formou-se há aproximadamente 150 milhões de anos, quando as massas continentais da Europa e da América do Norte começaram a afastar-se e, no meio, ia nascendo o Atlântico Norte. A bacia surgiu então na faixa Oeste da Península Ibérica, numa zona compreendida entre o norte de Aveiro até à península de Setúbal. As suas águas eram águas pouco profundas e havia também um ambiente pantanoso, fluvial e lagunar. A zona da Lourinhã e de Torres Vedras já estava emersa. Era um ecossistema subtropical, com vegetação exuberante. Havia coníferas, cicas, fetos.

O último fóssil preservado nos sedimentos da Bacia Lusitaniana a ser revelado à comunidade científica, e a todos nós, é precisamente o Lusovenator santosi, que veio contribuir para aumentar a compreensão da história evolutiva dos dinossauros. Esta descoberta, assinala ainda o comunicado, reforça o papel da Península Ibérica na dispersão dos carcarodontossauros no hemisfério Norte durante o final do Jurássico, o que aconteceu vários milhões de anos antes de estes dinossauros se terem tornado os maiores predadores terrestres no hemisfério Sul, já no final do Cretácico. “A identificação desta nova espécie amplia a diversidade de dinossáurios terópodes conhecidos no Jurássico Superior português, que constitui um dos melhores registos fósseis para este intervalo de tempo na Europa.”

Sugerir correcção