Nova espécie de dinossauro português era uma “gazela” dos bosques do Jurássico

Fósseis descobertos em 1999 foram finalmente estudados com profundidade. Esta é a primeira espécie encontrada em Portugal pertencente à família dos driossaurídeos.

Foto
Reconstituição do novo dinossauro Raúl Martín

Nos bosques portugueses de há 152 milhões de anos, entre coníferas e fetos, vivia o Eousdryosaurus nanohallucis. Não era um gigante num mundo de gigantes, como estamos habituados aos vestígios descobertos nas rochas do Mesozóico — a imensa era geológica em que os dinossauros povoaram a Terra. No Jurássico, o período do meio do Mesozóico, este réptil com cerca de dois metros de comprimento seria o equivalente actual a uma “gazela”. Nesta terça-feira, a nova espécie de dinossauro vai ser apresentada publicamente no Museu Municipal de Torres Vedras.

Esta é a primeira espécie portuguesa de um driossaurídeo, uma família de dinossauros herbívoros bípedes, bem representada em fósseis da América do Norte, mas que também andou pelas regiões que hoje ficam na Inglaterra, Tanzânia ou África do Sul, entre o final do Jurássico e o início do Cretácico, o último período em que os dinossauros viveram. Os driossaurídeos pertenciam, por usa vez, a um grupo mais amplo de dinossauros, os Iguanodontia, onde se inclui o conhecido Iguanodon que também andou pelo território português.

O conjunto de fósseis, de um único indivíduo, que permitiu identificar esta nova espécie e novo género, foi descoberto em 1999 pelo paleontólogo amador José Joaquim dos Santos, numa arriba em Porto das Barcas, na zona da Lourinhã. Um ano depois, a descoberta era dada a conhecer num congresso. Os fósseis encontrados foram doados à Sociedade de História Natural (SHN) de Torres Vedras em 2008, fazendo agora parte da sua colecção paleontológica.

Mas só recentemente é que “houve condições” para estudar profundamente estes ossos, explicou ao PÚBLICO Fernando Escaso, paleontólogo espanhol de 38 anos, professor na Universidade Nacional de Educação à Distância, em Madrid, e um dos autores do artigo publicado agora na revista Journal of Vertebrate Paleontology, onde se descreve pela primeira vez esta espécie.

“Há uns anos ofereceram-me este material para trabalhar na minha tese de doutoramento”, explicou o cientista. A pesquisa resultou da colaboração com investigadores da Universidade de Lisboa, da Sociedade de História Natural de Torres Vedras e da Universidade Autónoma de Madrid onde Fernando Escaso completou o doutoramento sobre os driossaurídeos. O paleontólogo português Pedro Dantas, da SHN, que apresentou os primeiros estudos em 2000, é também um dos autores do artigo.

Quando foram encontrados em 1999, os fósseis estavam incluídos num bloco de arenito cinzento de cerca de um metro de comprimento, caído de uma arriba. Do esqueleto original sobraram algumas vértebras caudais, grande parte dos ossos do membro posterior esquerdo e um osso da anca. Os fósseis estão num óptimo estado de preservação e Pedro Dantas compreendeu, na altura, que estava na presença de um driossaurídeo. Fernando Escaso teve agora oportunidade de analisar com cuidado os ossos e compará-los com o de outras espécies de driossaurídeos, podendo assim concluir que estava perante uma nova espécie com características únicas.

O fóssil pertenceu a um indivíduo que teria 1,6 metros de comprimento e 55 centímetros de altura, mas ainda não estaria completamente formado. “Parece ser um indivíduo sub-adulto”, referiu Fernando Escaso, acrescentando que o centro da vértebra e o arco neural das vértebras não estão completamente fundidos, como acontece nas vértebras dos dinossauros adultos. Segundo o paleontólogo, nas espécies próximas de driossaurídeos, os indivíduos adultos podem chegar aos 2,5 metros de comprimento: “O Eousdryosaurus nanohallucis poderá alcançar o mesmo tamanho.”

Não se sabe como este indivíduo morreu. Mas quanto ao seu dia-a-dia, o cientista defende que “é muito provável que vivesse em grupo”, provavelmente em “zonas de bosques que permitiam esconder-se dos predadores”. As suas patas estavam adaptadas à corrida. “Muitos cientistas vêem os driossaurídeos como gazelas, animais velozes sem estruturas defensivas”, explicou. Segundo o paleontólogo, tinham sido encontrados ossos isolados noutras jazidas da Península Ibérica que pareciam ser de driossaurídeos, mas agora há a certeza absoluta de que também Portugal teve estas “gazelas” do Jurássico.

Sugerir correcção
Comentar