Investigadores estimam que 20 crianças de uma turma contactam com mais de 800 pessoas em dois dias

Equipa de investigadores da Universidade de Granada concluiu que uma turma de 20 crianças do ensino pré-escolar ou primário terá contacto com mais de 800 pessoas em apenas dois dias e alerta para problemas do regresso às escolas em Espanha.

Foto
Regresso às escolas em Espanha está previsto para Setembro Christinne Muschi/Reuters

Uma equipa de investigadores da Universidade de Granada realizou uma análise que concluiu que uma turma de 20 crianças do ensino pré-escolar ou primário terá contacto com mais de 800 pessoas em apenas dois dias, o que levou os especialistas a alertarem para os riscos da falta de “rigor” no planeamento do regresso às escolas em Setembro em Espanha, depois de terem sido encerradas devido à pandemia de covid-19.

A análise teve por base as previsões do Governo espanhol e das comunidades autónomas sobre o regresso das crianças às escolas, tendo analisado os requisitos técnicos dos modelos traçados.

A 10 de Junho, a ministra da Educação espanhola, Isabel Celaá, anunciou que o Governo não considera necessário o uso de máscara nem o cumprimento do distanciamento social para as crianças dos primeiros quatro anos do ensino primário, por considerar tratar-se de grupos que se podem comparar a famílias ou coabitantes. Isabel Celaá sugeriu então que as crianças desses anos escolares “podem circular com tranquilidade, sem necessidade de manter uma distância de 1,5 metros”. Porém, os investigadores da Universidade de Granada analisaram o número de relações que cada turma poderá manter, com base nestes termos, e chegaram à conclusão que os cálculos contradizem a teoria de que se pode encarar uma turma de 20 crianças como um pequeno agregado familiar.

Assumindo que cada família é formada, em média, por dois adultos e 1,5 filhos menores (de acordo com a média em Espanha e supondo, por exemplo, que numa turma há dez estudantes com um irmão e outros dez que são filhos únicos), cada uma das 20 crianças de uma turma estaria exposta a um grupo de 74 pessoas no primeiro dia de aulas — isto se assumirmos que a criança não entrará em contacto com ninguém externo à própria turma ou ao seu agregado familiar. No segundo dia, o número de interacções das 20 crianças de uma determinada turma poderá “alcançar as 808 pessoas, considerando exclusivamente os relacionamentos [permitidos] sem distanciamento nem máscara da própria turma e das turmas dos irmãos e irmãs”, explica Alberto Aragón, professor catedrático da Universidade de Granada e coordenador do projecto. As estimativas prevêem ainda que, em três dias, poder-se-ão alcançar os 15 mil contactos.

Foto
www.ugr.es

“Se o número de alunos na turma subir para 25, como muitas concelhias sugeriram para que coincida com o rácio habitual, o número de pessoas envolvidas aumentaria para 91 pessoas no primeiro dia e 1228 pessoas no segundo dia”, acrescentam os investigadores num comunicado publicado no site da universidade.

Os especialistas alertam que um sistema como aquele que propõem o Governo e as comunidades autónomas só poderá ter uma eficácia limitada para controlar o risco de contágio [do novo coronavírus], sendo especialmente ineficaz quando o número de alunos no seu núcleo é tão elevado”.

No Outono, escolas podem voltar a encerrar

Os investigadores notam que se houver uma pessoa infectada nesse grupo ou turma há um risco automático para todo o grupo, pelo que qualquer situação semelhante poderá resultar no encerramento da própria escola. Por isso, explicam que é necessário ter em conta possíveis cenários de contágio numa escola, assim como a possibilidade de leccionar aulas ao ar livre.

Os especialistas alertam ainda para problemas existentes de planificação do regresso às escolas, “uma vez que até ao momento trata-se maioritariamente de declarações bem-intencionadas, mas que carecem do detalhe necessário para se converterem numa planificação útil”, explicam em comunicado, acrescentando que o principal problema está no facto de as previsões se centrarem no regresso às aulas presenciais sem terem em conta os recursos necessários para garantir a manutenção das aulas. Neste sentido, os investigadores prevêem que, no Outono, voltem a encerrar muitas escolas em Espanha e apelam às autoridades educativas que preparem um plano alternativo caso isso aconteça e que programem um sistema de aulas presenciais com mais rigor, sem pôr de parte a possibilidade do ensino à distância e online, caso venha a ser necessário.

Os autores referem ainda que os especialistas em educação consultados recomendam que as escolas definam um horário para as aulas online, que devem replicar parcialmente as aulas presenciais — embora sublinhem que deve haver uma base comum que sustente as estratégias de ensino dos vários estabelecimentos de ensino do país.

Quanto ao ensino superior, o Ministério das Universidades espanhol propôs um modelo distinto do apresentado pelo Ministério da Educação para o regresso às aulas em Setembro, cujo “sistema de turnos rotativos seria provavelmente mais viável nas escolas e institutos do que nas aulas universitárias”, assinalam.

Os especialistas da Universidade de Granada calcularam ainda o número de estudantes que poderiam participar numa aula universitária, caso se respeitem as distâncias previstas nas normas do Ministério da Educação. “Por exemplo, uma sala de aula com 92 lugares com mesas fixas permitiria acolher apenas entre 16 e 24 estudantes para garantir a distância de segurança de 1,5 metros. Com um número tão reduzido de estudantes na sala de aula, a sugestão do Ministério de gravar a aula em directo para os alunos que não estão presentes parece tecnologicamente mais complicada, e menos eficaz, do que uma gravação de maior qualidade e personalizada num cenário online”, defendem.

Segundo dados do Ministério da Educação espanhol citados pelo diário El País, a reabertura das escolas implicará o regresso de 1,7 milhões de alunos ao ensino pré-escolar, 2,9 milhões às escolas primárias, dois milhões ao ensino secundário obrigatório e cerca de 600 mil ao Bachillerato (a partir dos 16 anos). Ao mesmo jornal, Alberto Aragón sublinha que o Governo espanhol e as comunidades autónomas devem delinear “planos mais rigorosos” e decidir “se se vão contratar mais docentes, que espaços alternativos se poderão utilizar ou, por exemplo, se se vão disponibilizar computadores aos estudantes”.

Os investigadores da Universidade de Granada analisaram também os planos de reabertura das escolas em países como a Dinamarca e Israel. Alberto Aragón sublinha que, no caso da Dinamarca, as turmas têm agora apenas dez alunos, podendo dirigir-se ao recreio apenas em grupos de cinco e com uma organização temporal e espacial que minimiza o contacto (e o risco de contágio) entre as crianças, com o especialista a destacar “uma boa planificação e recursos suficientes” para a colocar em prática. Por outro lado, no caso de Israel, que adoptou um plano de regresso às escolas semelhante ao previsto para Espanha, “nos primeiros dois ou três dias tiveram que encerrar cem escolas”.

Sugerir correcção