Cerca de 200 queixas de 2018 e 2019 contra médicos estavam por ler na Ordem no início deste ano

Conselho disciplinar do Sul da Ordem dos Médicos já recebeu 600 queixas este ano. Só está por analisar um dos 19 processos contra o obstetra envolvido no caso do bebé de Setúbal que nasceu com graves malformações no rosto.

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Paulo Pimenta

O novo conselho disciplinar regional do Sul da Ordem dos Médicos (OM) “herdou” cerca de duas centenas de queixas enviadas em 2018 e 2019 que nunca ninguém tinha lido nem triado, revelou esta quarta-feira a presidente deste órgão deste Fevereiro passado, Maria do Céu Machado, na Comissão Parlamentar de Saúde.

As presidentes dos três conselhos disciplinares regionais – Norte, Centro e Sul foram questionadas pelos deputados da comissão parlamentar de saúde sobre a forma de actuação destes órgãos que são uma espécie de tribunais da OM e apreciam todo o tipo de queixas, desde as que têm que ver com situações relacionadas com a organização dos serviço até às mais graves, de alegada negligência médica.

A audição foi pedida na sequência da polémica gerada pela divulgação do caso do bebé que nasceu em Outubro passado no Hospital de Setúbal com graves malformações não detectadas pelo médico que fez as ecografias de seguimento da gravidez. Depois de este caso ter sido noticiado, percebeu-se que o obstetra Artur Carvalho tinha muitas outras queixas a aguardar análise no conselho disciplinar do Sul.

Contra Artur Carvalho havia 19 queixas no total, a última das quais de 2007, e uma parte foi arquivada entretanto, especificou Maria do Céu Machado. O conselho disciplinar do Sul propôs já este ano, primeiro, uma pena de suspensão de cinco anos para o obstetra, e, num despacho de acusação posterior que anexou vários processos contra o clínico, propôs uma pena de expulsão, que ainda é passível de recurso para o Conselho Superior da OM e para os tribunais administrativos. Todos os processos envolvem ecografias obstétricas diferenciadas.

Quanto a Artur Carvalho, há neste momento apenas um processo de averiguações que ainda não está fechado porque se aguarda que o participante envie os exames ecográficos, acrescentou a ex-presidente do Infarmed, que substituiu o anterior presidente do conselho disciplinar do Sul há quatro meses.  Quando o caso do bebé de Setúbal foi noticiado, entraram na altura na OM várias queixas relativas a casos com mais de cinco anos. “Esses casos foram liminarmente arquivados, uma vez que o regulamento diz que se o acto médico foi [efectuado] há mais de cinco anos” não pode haver instrução de processo, explicou Maria do Céu Machado.

Após uma profunda remodelação deste órgão da OM, que passou a ter mais dois juristas e um protocolo com um escritório de advogados para reforçar o apoio jurídico, além de mais profissionais de secretariado, em quatro meses, e apesar dos constrangimentos decorrentes da pandemia de covid-19, estão já triadas todas as queixas recebidas até ao dia 6 deste mês, depois de ter sido criado um gabinete de triagem para acelerar a leitura e selecção das reclamações, disse.

“Agilização”

Maria do Céu Machado sublinhou que herdou “1519 processos transitados de anos anteriores” a somar às “cerca de 600 queixas” já recebidas este ano. O conselho disciplinar do Sul recebe entre 700 a 800 queixas por ano, cerca de “três vezes mais do que o do Norte”, enfatizou.

Graça à “agilização dos procedimentos e à informatização da base de dados”, que até tem alertas quando há reclamações contra o mesmo médico, o conselho disciplinar do Norte consegue triar as queixas com rapidez e os tempos de instauração dos processo de averiguações são “muito breves”, assegurou a sua presidente, Fátima Carvalho. “Não haverá processos que demorem mais de um mês a ser instaurados desde a sua entrada”, calculou. O conselho do Norte foi, aliás, o que mais penas aplicou nos últimos anos, não por ser mais “justiceiro”, mas porque consegue “analisar mais processos”, observou.

Também o órgão disciplinar do Centro não tem grandes atrasos. Das 180 a 250 queixas entradas por ano, “cerca de metade são tratadas logo no primeiro ano”, acentuou a sua presidente, Isabel Luzeiro. A maior parte das queixas dizem respeito a aspectos da organização dos serviços e muitas decorrem da “exaustão dos profissionais e da relação directa médico-doente”, explicou.

“A maior parte não tem qualquer fundamento”, corroborou Fátima Carvalho. “Contam-se pelos dedos das mãos os casos que são graves”, acrescentou Maria do Céu Machado. Muitas, aliás, não são reclamações de doentes. “Há queixas de enfermeiros que dizem que o médico os criticou no Facebook, há queixas de médicos que dizem que outros os plagiaram”, exemplificou.

Quanto ao caso do obstetra de Setúbal, as três médicas reconheceram que foi “um erro da Ordem”. “O que tem que ser feito agora é evitar que esse erro se repita”, rematou Fátima Carvalho.

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