O Manifesto fechou. Agora, sobram as viagens

Aberto há quatro anos, o quiosque, galeria e café localizado no Mercado Municipal de Matosinhos não reabrirá portas. Na memória ficam as revistas, as fotografias e todo o ambiente dedicado às viagens

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O Manifesto abriu no final de 2016 e fecha agora as portas Fernando Veludo/NFACTOS

Podia começar num sábado de manhã. O Mercado de Matosinhos abria, com as suas bancas de legumes e peixe fresco. Devagarinho, ia-se instalando o rebuliço de início de fim-de-semana, com as peixeiras a apregoar e os fregueses a meterem conversa. Mas, algures no meio da confusão, um cliente habitual escapulia-se por uma porta secreta – a porta do Manifesto.

O café escaldava na chávena. Grãos vindos do Burundi ou do Perú, Myanmar, Costa Rica ou talvez até mesmo da Etiópia. Reviravam-se as páginas das revistas, ouvia-se o barulho do folhear. Capas coloridas, tote bags, bolachas de avelã e amendoim. Viagens ao maior festival religioso do mundo em Prayagraj, passagens pela Patagónia ou pela Mongólia, um mergulho na pele de surfistas; o amor ao papel, às histórias; aos cheiros, aos sabores, às fotografias. Uma volta ao mundo nuns minutos. 

Podia começar assim. Há quatro anos que podia começar assim…

Mas não mais.

Ontem, a página de Facebook do Manifesto anunciou que as suas portas não voltariam a abrir. Para muitos, a publicação avivava a agora memória nostálgica de manhãs a viajar sem sair do lugar. 

O Manifesto, mais do que um quiosque, um café ou uma uma galeria, era, nas palavras de Tiago Costa, “um laboratório editorial que estabelecia uma ponte entre as viagens e as pessoas que queriam viajar connosco”. A Nomad, a agência de viagens ligada ao Manifesto, foi fundada há 13 anos pelo próprio Tiago e o seu colega Pedro Gonçalves. Nascia então da paixão que os dois partilhavam pela aventura - antes da Nomad, seria possível encontrá-los a guiar aventureiros pelas montanhas.

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“Na altura, não havia oferta de viagens de aventura”, explicita Tiago, “Queríamos uma agência com iniciativas paralelas”. Assim foi. Fascinados por cenários exóticos, travessias perigosas e novas culturas, viram a sua agência crescer - o Manifesto suma “progressão natural” do trabalho desenvolvido pela Nomad, uma vez que sempre tinham procurado ter “uma oferta cultural”. 

Há quatro anos, o espaço abria pela primeira vez. Livros de viagens editados, promessas de exposições de fotografia, conferências, sessões de cinema. E o Manifesto, de facto, não parou: destacam-se as exposições em Lisboa realizadas em colaboração com o fotógrafo Mário Cruz, o lançamento de um livro passado na Síria - Uma Casa em Mossul - pela caneta do jornalista Paulo Moura, a projecção de documentários no cinema São Jorge, a criação do Indie Mag Club, um espaço de leitura e partilha entre leitores, a dinamização da loja online que deliciava os fãs do jornalismo independente, entre muitas outras iniciativas.

Tiago lamenta apenas que, para além dos clientes habituais que passavam pelo quiosque e apreciavam uma chávena de café, eram muitos os que marcavam presença nos eventos sem saber da sua ligação ao Manifesto. 

Mesmo depois do fecho em consequência da covid-19, o Manifesto continuou a incentivar leituras inspiradoras através das suas publicações nas redes sociais. Mas, apesar da vontade em continuar, a mudança impôs-se. O Manifesto, que se mantinha graças ao mecenato da Nomad, começou a ressentir-se numa fase de instabilidade no sector do turismo. “Seria bastante arriscado manter os compromissos financeiros e laborais”, explica Tiago, apressando-se logo a declarar que “o Manifesto fecha as portas com a sensação de missão cumprida”.

“Era muito mais do que uma loja”, reforça Tiago, no momento em que se consolida o fim, “O grande património foi a prova de que o jornalismo não está morto. As pessoas querem saber, a narrativa documental tem o seu lugar”, diz com orgulho.

Tiago Costa acredita que é possível manter o jornalismo independente. É apenas preciso “empenho e não se estar vinculado a interesses económicos” – também neste sentido, o fundador da Nomad esclarece que o fecho constitui a afirmação de que o Manifesto não quereria enveredar por um “lado comercial”, mantendo assim a sua essência. Nas palavras de L. Frank Baum, “Tudo tem de chegar a um fim, a determinada altura”. Chegou a vez do Manifesto. 

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