Dia 61: na hora de educar, os avós precisam de rever a matéria

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Ana,

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Contaram-me o caso de um casal de avós que se divorciou por discussões em torno de como lidar com os netos. Não conheço as pessoas, não faço ideia se foi essa a verdadeira razão, mas divertiu-me a ideia. Parece-me possível, sabes?

Vou inventar, mas tenta seguir o meu raciocínio. Aparentemente não faz sentido porque se foram capazes de educar os seus próprios filhos, já deveriam ter afinado um modelo mais ou menos consensual entre eles. Mas pode não ter sido assim: talvez o pai, por algum motivo, se tenha demitido do seu papel, e agora procure aqui uma segunda oportunidade, eventualmente até para corrigir “falhas” que encontra nos seus descendentes adultos. Ou, quem sabe, as atribua ao facto de a mulher os ter “mimado” demais, e agora queira impedi-la de fazer o mesmo com os netos. Mais uma hipótese: talvez seja ela que o considera um mau pai, e não quer vê-lo agir da mesma maneira com o neto.

Podia ficar aqui a noite toda a conjecturar hipóteses, mas o que me parece importante é reconhecer que provavelmente para todos os avós – em maior ou menor grau – há momentos de forte tensão, que abrem feridas passadas. O que me fez pensar que da mesma maneira que os pais devem sentar-se e procurar chegar a um consenso (ou próximo disso) sobre como querem educar os filhos, também os avós faziam bem em fazer em conjunto uma revisão da matéria dada. Não lhes permitirá evitar todos os choques, mas talvez evitar alguns. Nomeadamente o divórcio.

Bj


Querida Mãe,

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Como a mãe costuma dizer sobre as nossas birras é mesmo importante pô-las em cima da mesa e falar abertamente sobre elas, ao invés de começar a mandar “bocas”. Isto é válido para toda a “aldeia” que convive com as crianças. Bolas, que poder têm estes pequenos seres!

Enquanto lia a sua carta, pus-me a pensar qual terá sido o papel dos filhos/genros/noras nessa história. Porque tirando em casos em que os avós ocupam mesmo o lugar de pais – que sabemos que não é invulgar –, parece-me que só pode haver conflitos tão grandes entre os avós sobre como educar os netos, se os pais dessas crianças não souberem gerir bem as coisas. E não entrarem por ali adentro, a lembrar-lhes que o modelo de educação dos filhos são eles que o escolhem!

Um parenteses: É engraçado, ou melhor não tem graça nenhuma, como hoje em dia a minha geração tem, em grande medida, escolhido formas de parentalidade que implicam maior respeito e compreensão pelas crianças. Mas qual é a lógica de defendermos tanto a compreensão, a empatia, o ouvir o lado das crianças, etc., e depois somos tão maus a aplicar isso tudo na relação com os nossos pais, os nossos amigos ou colegas. Estes “métodos” não são “bons para educar crianças”, são bons para desenvolver boas relações com os outros! Independentemente da idade.

Voltando ao fio da meada. Não faz sentido uma divisão tão grande entre a forma como a avó e o avô educam, porque pura e simplesmente não lhes devia ser dada essa tarefa. Não leia isto como se fosse uma declaração agressiva, do estilo “os avós não têm de se meter onde não são chamados”. O que quero dizer é que os pais não se podem demitir desse trabalho! E se não se demitirem é mais fácil para os avós saberem onde está a bitola, com todas as variações que obviamente lhes são permitidas, mais faltava que fizessem as coisas exactamente como os pais fazem, ou como os pais mandam.

É mais fácil e não é, já a estou a ouvir dizer. É verdade que muitas vezes esses conflitos entre avós, resultam da pressão que sentem exactamente pela tensão que sentem entre “o que os pais da criança querem que nós façamos” vs. “o que nós gostávamos de fazer”, e do medo subjacente de possíveis guerras entre avós/filhos/genros e noras. Reconheço que aqui, mais uma vez, a minha geração muitas vezes faz “exigências” aos avós que não devia fazer: “Ficas com os meus filhos, mas não lhes podes dar isto ou aquilo. Os horários são estes, estes e estes.” E esta pressão traz consigo não só um potencial de conflito gigante, como tira a espontaneidade da relação, faz com que os avós sintam a necessidade de se policiar e medir as palavras.

Não sabemos o que aconteceu a esse casal, como não conhecemos as circunstâncias diferentes de cada família, mas parece-me que começar por conversar muito e ter a humildade necessária para ouvir o outro lado faz maravilhas contra a taxa de divórcio, seja de pais ou de avós.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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