Tudo parece impossível, até ser feito

Mais do que constatar, é preciso agir. A situação económica justifica e o tecido social exige um antivírus contra a austeridade, o desemprego, a precariedade e os baixos salários.

Vivemos um tempo em que é preciso continuar a salvar vidas, assegurar condições sanitárias para evitar a propagação da pandemia e retirar a economia do “coma induzido” a que foi sujeita. Com o desemprego a subir e os salários a caírem, a pobreza aumentou e as desigualdades acentuaram-se.

Perante uma legislação do trabalho propícia a semear ventos e a provocar tempestades contra quem trabalha, a precariedade encheu a maré do desemprego e a redução de rendimentos inundou grande parte dos lares portugueses.

São muitos os trabalhadores com baixos salários, em lay-off e no desemprego, com rendimento líquido idêntico ou inferior a 600 euros mensais. Os factos e os números são elucidativos: depois de deduzidas as contribuições para a Segurança Social, um trabalhador com o salário mínimo nacional recebe 565 euros líquidos e um assalariado em lay-off, com 1000 euros de salário-base, aufere 594 euros mensais. Uma situação que tem tido como consequência o aumento exponencial da ajuda alimentar às famílias. E que tem contado com o distanciamento habitual da União Europeia quando se trata de ser solidária com os países que mais precisam e menos têm.

Sendo verdade que estamos todos “no mesmo mar”, há os que viajam de iate e os que nadam para não se afogarem.

Com efeito, há um manifesto desequilíbrio entre os apoios concedidos pelo Governo à área empresarial comparativamente aos disponibilizados para a área social. A “fatia de leão” dos apoios do Estado continua a ser canalizada para as grandes empresas. As mesmas que, em alguns casos, preferem distribuir dividendos aos seus accionistas, em vez de investir na recuperação da economia, na produção de valor-acrescentado, na criação de emprego com direitos e na resposta às necessidades do país.

Os que antes defendiam menos Estado para os trabalhadores e os serviços públicos, são os que agora reclamam mais financiamento a fundo perdido para as suas empresas.

Mas mais do que constatar, é preciso agir. A situação económica justifica e o tecido social exige um antivírus contra a austeridade, o desemprego, a precariedade e os baixos salários.

Os trabalhadores não podem continuar a ver reduzidos os seus salários e a Segurança Social a ficar exaurida financeiramente com o prolongamento do lay-off.

Sim, este é o momento de clarificar posições e definir caminhos. Agora, no Plano de Estabilidade Económica e Social e, dentro em breve, com o Orçamento do Estado, a situação económica difícil não pode servir de pretexto para que tudo fique na mesma. Nem de desculpa para não revisitar a legislação do trabalho e expurgar as grilhetas que acorrentam os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores e das jovens gerações.

A recuperação da economia implica mais investimento público e privado, pôr o país a produzir para exportar mais e importar menos. Mas não dispensa, antes exige, um forte incentivo ao aumento dos salários para dinamizar a procura interna, a actividade empresarial e a criação de emprego.

E já que se apela tanto a que os trabalhadores façam férias no seu país, é fundamental assegurar o emprego e salários dignos que lhes permitam o merecido repouso e lazer.

E como escreveu Nelson Mandela, tudo parece impossível, até ser feito.

Haja coragem e vontade política para o fazer.

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