Possível apreensão do telemóvel de Bolsonaro irrita ala militar do Governo

General Heleno disse que confisco do telemóvel do Presidente é “inconcebível”. Grupo de militares na reserva avisa que crise institucional pode levar a “guerra civil”.

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Procurador-geral deverá decidir se telemóvel de Bolsonaro é apreendido ou não Reuters/ADRIANO MACHADO

A possibilidade de a Justiça brasileira poder vir a confiscar o telemóvel do Presidente, Jair Bolsonaro, criou uma nova crise institucional e aprofundou o fosso entre o Governo e o Supremo Tribunal Federal (STF). Militares na reserva elevam o tom e acenam com “guerra civil”.

Na sexta-feira, o juiz do STF, Celso de Mello, responsável pelo inquérito sobre as alegadas pressões de Bolsonaro sobre a Polícia Federal (PF), solicitou ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que avaliasse a possibilidade de apreender o telemóvel do chefe de Estado. Mello encaminhou pedidos de partidos políticos que querem aprofundar as investigações a Bolsonaro.

Em causa também está a requisição dos telemóveis do vereador Carlos Bolsonaro, do ex-director-geral da PF, Maurício Valeixo, do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, e da deputada federal Carla Zambelli.

A iniciativa do juiz do STF gerou respostas enérgicas por parte da ala militar do Governo. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Augusto Heleno, emitiu uma nota em que considerava a apreensão do telemóvel de Bolsonaro “inconcebível” e avisou para as “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.

O próprio Bolsonaro disse que “jamais” entregaria ao tribunal o seu telemóvel. “Alguém está achando que eu sou um rato para entregar um telefone meu numa circunstância como essa?”, questionou o Presidente, numa entrevista à rádio Jovem Pan.

As reacções ao pedido de Mello levaram o gabinete do juiz do STF a divulgar um esclarecimento para dizer que não se tratou de uma ordem de apreensão, mas sim de uma solicitação junto do Procurador-Geral da República, que é quem terá a última palavra sobre o assunto.

O STF tem sido um dos alvos preferenciais dos apoiantes de Bolsonaro, e do próprio Presidente, por causa de várias decisões vistas como ataques ao Governo. Entre elas está o respaldo jurídico às medidas de confinamento aprovadas pelos governadores estaduais, contrariando a reabertura da economia defendida por Bolsonaro. A suspensão pelo STF da nomeação de Alexandre Ramagem, amigo da família presidencial, para chefiar a PF também é um factor que opõe o Governo e a mais elevada instância judicial do país.

No vídeo da reunião ministerial de 22 de Abril, divulgado por ordem de Mello, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, pede a prisão dos juízes do STF.

Apoios e críticas

Durante o fim-de-semana, a barragem de críticas ao STF continuou. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, manifestou apoio à posição de Heleno e disse estar “preocupado com a harmonia e independência entre os poderes”.

Já este domingo um grupo de militares na reserva divulgou uma carta de apoio ao ministro do GSI com fortes críticas ao Supremo e a alertar para a “insegurança e instabilidade”. “Faltam a ministros [juízes], não todos, do STF, nobreza, decência, dignidade, honra, patriotismo e senso de justiça. Assim, trazem ao país insegurança e instabilidade, com grave risco de crise institucional com desfecho imprevisível, quiçá, na pior hipótese, guerra civil”, lê-se na carta assinada por 89 militares, formados em 1971 na Academia das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro, onde também se formou Heleno.

Os militares dizem estar dispostos a defender o país “com o sacrifício da própria vida”, embora reconhecendo já não disporem da “jovialidade de cadetes”, garantem manter “o patriotismo, o sentimento do dever, o entusiasmo e o compromisso maior (…) de defender as Instituições, a honra, a lei e a ordem do Brasil”.

A posição de Heleno foi criticada por instituições civis e deputados da oposição ao Governo. O presidente da Ordem dos Advogados, Felipe Santa Cruz, disse que as “instituições democráticas rechaçam o anacronismo” da nota do ministro e pediu-lhe para que “saia de 64” – o ano em que foi instaurada a ditadura militar.

O senador do Partido dos Trabalhadores, Humberto Costa, criticou a “postura inadequada” de Heleno e afirmou que “a ditadura não voltará”. A deputada do Partido Social Liberal, Joice Hasselmann, antiga aliada do Presidente, questionou se “vão desengavetar aquele Acto Institucional que dorme há meses na gaveta?”, referindo-se ao Acto Institucional 5, o diploma legislativo que instituiu a repressão e a censura durante a ditadura.

Entre os críticos, muitos apontaram que a mensagem de Heleno viola a Lei da Segurança Nacional, que proíbe o condicionamento das actividades dos poderes.

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