Câmara do Porto “abusa” do recurso à justiça, acusa o PS

Tribunal da Relação decidiu que Odete Patrício não vai a julgamento em processo-crime motivado por queixa do município, que ainda vai avaliar se avança com acção cível

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Município liderado por Rui Moreira considera ofensivas declarações de vereadora do PS Paulo Pimenta

Juízos de valor são diferentes de factos. E as opiniões depreciativas, mesmo que infundadas, não são a mesma coisa que factos inverídicos, cuja afirmação pública, e propalação podem levar à condenação de alguém por ofensa à honra ou ao bom nome de outra pessoa ou instituição. Foi com este argumento, assim sintetizado, que o Tribunal da Relação do Porto entendeu que a cidadã Odete Patrício, que é também vereadora na Câmara do Porto, não deve ser levada a julgamento por críticas feitas no Facebook à actuação do município no processo urbanístico da Arrábida. Uma decisão celebrada pelo PS, que acusa a câmara de abusar do recurso à justiça para limitar a liberdade de expressão.

Para a concelhia do PS-Porto esta decisão dos desembargadores é precisamente “uma vitória da liberdade de expressão”. Num comunicado emitido esta quarta-feira à tarde, o PS vinca que “não considera aceitável que a maioria municipal do Porto use e abuse do recurso à justiça para tentar condicionar adversários políticos, acusando de difamação aqueles que criticam a sua acção política, procurando, por esse meio, limitar a liberdade de expressão e/ou de imprensa”. 

Para os socialistas “a sucessão de decisões desfavoráveis ao município demonstra com clareza que se trata de litigância de má-fé com objectivos políticos persecutórios, estranhos à identidade democrática do Porto. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto “repõe a justiça” mas, por outro lado, o município vai “pagar despesas com dinheiro dos contribuintes, para além de ter mobilizado os serviços jurídicos da autarquia”. Lembrando, ainda, que os canais de informação do município “não são propriedade de nenhuma força política”, o PS espera que esta decisão seja, através deles, publicitada e que “o executivo liderado por Rui Moreira daqui retire conclusões para a sua acção futura”.

O acórdão da Relação, publicado a 6 de Maio e conhecido esta semana, fecha as portas ao julgamento de Odete Patrício num processo-crime que teve origem numa queixa do município, pois revoga o despacho de pronúncia decidido pelo juiz de instrução. O Ministério Público e a Câmara do Porto pretendiam que a antiga administradora da Fundação de Serralves fosse julgada e condenada por “um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva” e, perante esta decisão no recurso, o município vai avaliar outras formas de acção contra a também vereadora, uma independente eleita pelo PS.

“A CMP respeita todas as decisões judiciais e, neste caso, houve várias, umas favoráveis outras contrárias, tendo chegado a haver um juiz que mandou julgar. O presente arquivamento abre porta a um eventual procedimento cível cuja oportunidade o município ainda não avaliou”, respondeu ao PÚBLICO a Câmara do Porto. Que, na resposta ao recurso, insistiu que considera ofensivos, quer para a autarquia, quer para os seus funcionários dos serviços de urbanismo, o recurso, em comentários sobre o licenciamento de obras junto à ponte da Arrábida, de expressões como  Money makes the world go round and round... (O dinheiro é que faz girar o mundo), entre outras. 

Opiniões não devem ser penalizadas

Para Odete Patrício, o município mostrou, neste caso, um “excesso de sensibilidade” em relação a comentários, feitos num perfil pessoal de uma rede social, sobre um processo urbanístico que, ainda hoje, assinala, suscita dúvidas em relação, por exemplo, à forma como os terrenos passaram para propriedade privada, na década de 90. E ainda que a Câmara do Porto tenha, recentemente, visto o Tribunal Administrativo considerar que o licenciamento da obra foi legal sem consulta prévia à autoridade portuária, por causa do domínio público hídrico, há ainda muito por esclarecer, assinala. Acrescentando que foi por isso que em 2018 escreveu a várias entidades do Estado, ora dando conta das suas dúvidas, ora pedindo informações sobre o respectivo papel neste processo urbanístico. 

Pelo meio, com o assunto em discussão pública, fervilhante, Odete Patrício foi intervindo, do ponto de vista pessoal, em termos que a câmara considera, ainda, excessivos, acabando por “denegrir a credibilidade e a confiança que a comunidade, em geral, deposita” na autarquia. Esta percepção chegou a ser acolhida e validada pelo juiz de instrução, mas o Tribunal da Relação teve um entendimento diferente. Para a dupla de desembargadores que analisou o caso, Odete Patrício não chegou a concretizar acusações, limitando-se a proferir opiniões, e é na diferença entre uma coisa e a outra que fundamenta a decisão de revogar o despacho de pronúncia.

“Inquestionavelmente, a emissão pública de tal juízo pessoal e expressão idiomática em comentário a uma postagem na rede social, onde a arguida referenciou de uma forma muito simplista diversos pareceres de um processo administrativo que estava pendente na Câmara Municipal de que é vereadora, é susceptível de ofender o bom nome do município do Porto”, admitem os juízes. “Mas”, acrescentam, “a formulação de tais expressões não deixam de ser meras opiniões e juízos de valor emitidos pela arguida”. 

“Não se trata da propalação de factos inverídicos, mas apenas e tão-só de uma opinião – juízo de valor - indiciariamente desprovida de fundamento real. Os juízos de valor traduzem convicções subjectivas, que só responsabilizam quem os profere, enquanto os factos constituem realidades objectivas”, argumentam. E por isso, concluem, que “não se mostra preenchido o tipo legal de crime pelo qual a arguida foi, erradamente, pronunciada”, não deixando de admitir, ainda assim, que “o prejuízo porventura sofrido” pela câmara “poderá encontrar reparação noutros planos que não seja o penal”. 

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