Banca à espera do Montepio para fechar contas de 2019

Necessidade de recalcular os rácios de capital terá atrasado publicação das contas de 2019, que já deviam ter sido divulgadas

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Goncalo Dias

O Banco Montepio falhou o segundo prazo para apresentar as suas contas de 2019, que terminava na quinta-feira passada, depois de não as ter divulgado até 30 de Março, a data regulamentar. Tudo indica que os números serão anunciados esta semana, com o Banco Montepio a confirmar que registou lucros acima de 20 milhões de euros, sustentados no essencial em quatro operações: valorização da carteira de títulos de dívida pública portuguesa; lucros do Finibanco Angola, do Montepio Crédito e do Montepio Valor.

A agenda da reunião do conselho de administração do Banco Montepio, que decorreu a 30 de Abril, tinha como ponto principal, a discussão e a validação das contas do exercício passado, apresentadas pela equipa de Carlos Tavares, o actual chairman do grupo, cargo que, entre 2018 e 2019, acumulou com a chefia da comissão executiva. Mas o desenrolar dos acontecimentos durante a videoconferência, que se prolongou mais do que esperado, veio a revelar-se uma caixinha de surpresas.

O encontro, inicialmente marcado para quarta-feira, 29 de Abril, acabou, na véspera, 28 de Abril, remarcado para o dia seguinte, 30 de Abril, o limite fixado pelo Banco de Portugal, no âmbito da pandemia por covid-19, para os bancos aprovarem as contas anuais. E a expectativa dos administradores era essa.

Mas tudo se complicou quando o gestor executivo Pedro Ventaneira, que transitou da equipa de Carlos Tavares, e que tem o pelouro do risco, pediu a palavra para dar nota de que o draft do relatório, enviado dias antes aos administradores, poderia ter de ser corrigido, pois os rácios de capital teriam de ser recalculados. Na versão inicial, o banco cumpria o objectivo de 13,625% (em 2018 o rácio do BM ficou em 14,1%), o patamar mínimo fixado pelo Banco de Portugal para o exercício de 2019.

O esclarecimento de Pedro Ventaneira gerou perplexidade e confundiu ainda mais o circuito no topo do BM, cuja comissão executiva é desde Fevereiro chefiada por Pedro Leitão. Foi nessa altura que alguns dos administradores do BM se questionaram sobre o que ali se passara. Desde logo, porque os atrasos verificados no fecho dos números de 2019 teriam dado tempo para clarificar possíveis incongruências.

Acresce que, em qualquer banco, a monitorização dos níveis de capital é uma das tarefas mais importantes da gestão. A partir da determinação do valor do  rácio de capital os bancos ficam a saber se têm necessidades adicionais de capital. E em caso de carência, estudam as iniciativas para os repor nos patamares exigidos. Acções que terão de apresentar aos accionistas, para que as validem.

No caso do BM, é a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) que fica sob pressão para avançar com investimentos adicionais. Há outras possibilidades. E uma delas é o banco ir ao mercado levantar fundos o que no actual quadro de confinamento, e de bloqueio da economia, não se adivinha tarefa fácil. Em Março de 2019, o BM já enfrentou obstáculos quando tentou ir financiar-se junto de investidores terceiros, apesar de oferecer taxas de remuneração acima dos dois dígitos.

Para já o que sabe é que nos últimos dias a gestão do BM, com envolvimento de Carlos Tavares, desenvolveu várias acções junto do BdP, procurando vias para resolver a discrepâncias de capital. 

Tal como o PÚBLICO avançou a 29 de Abril, o BM fechou as contas consolidadas de 2019 em terreno positivo, com mais de 20 milhões de euros de resultados, superando os 12,6 milhões de euros contabilizados no ano anterior. Os lucros consolidados beneficiaram da valorização da carteira de dívida pública portuguesa, em 40 milhões de euros, assim como da ajuda de três participadas: 13 milhões de euros do Finibanco Angola, quatro milhões do Montepio Crédito, um milhão do MG Valor.

Em sentido contrário, o BEM (Banco de Empresas Montepio) contribuiu negativamente com prejuízos de 1,2 milhões de euros. Sublinhe-se que o BEM foi lançado em 2017, como ponto central do plano de transformação do Montepio, sustentado no estudo da Bain & Company, a consultora norte-americana contratada por Carlos Tavares. Então, chegou a ser anunciado que o pagamento dos serviços custou ao BM seis milhões de euros.

Criado para receber os créditos das empresas com volume de negócios acima de 20 milhões de euros, o BEM fechou 2019 com uma carteira de crédito de 75 milhões de euros, que compara com os 27 milhões apurados em 2018, e a que corresponde uma produção nova de 48 milhões de euros. 

No relatório da actividade do exercício passado entregue à AMMG, o Banco Montepio contabilizou capitais próprios a caírem de 1,52 mi milhões para 1,45 mil milhões de euros, tendência acompanhada pela redução da margem financeira de 250 milhões para 235 milhões de euros. O cálculo do volume de imparidades sofreu um incremento de 70 milhões de euros, com o “bolo” a cifrar-se agora em 120 milhões de euros. A carteira de crédito registou uma queda de 600 milhões de euros, dos quais 250 milhões de euros na área das empresas, dali resultando um tombo nos depósitos referentes a este segmento de 150 milhões.  

Até este domingo, no site da CMVM, as contas de 2019 do grupo Montepio continuavam por publicar, tornando-se no único banco que ainda não o fez. E numa altura em que o sector se prepara para arrancar com a divulgação dos números da actividade entre Janeiro e Março de 2020. Esta segunda-feira, pelas 11h00, o BPI será o primeiro a iniciar a ronda de apresentação dos resultados do primeiro trimestre do ano. 

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