BCE obrigado a continuar a agir para segurar economia já em recessão

Primeiro dados da evolução do PIB no primeiro trimestre confirmam que a economia da zona euro está já em profunda recessão. Isto deverá obrigar o BCE, que esta quinta-feira facilitou ainda mais o financiamento aos bancos, a tomar ainda mais medidas

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Reuters/Ralph Orlowski

Se ainda tivesse dúvidas, Christine Lagarde deixou de as ter. Poucas horas antes da reunião do conselho de governadores, foram divulgados para vários países da zona euro os primeiros números oficiais do PIB e estes, mesmo sendo referentes apenas ao primeiro trimestre do ano, mostraram que o cenário é já de recessão profunda. E assim, para a presidente do Banco Central Europeu – líder da entidade para que todos se habituaram a olhar quando se está perante uma crise económica –, continua a não haver opções: vai ter de continuar a tomar medidas, e quando não fizer, terá de pelo menos prometer que continua preparada para fazer tudo o que for preciso.

Da reunião desta quinta-feira nem saíram muitas novas medidas a acrescentar às já tomadas nas últimas semanas. Mas, talvez para darem um sinal de que continuam activos, decidiram oferecer mais um pequeno estímulo, melhorando ainda mais as condições a que o BCE concede empréstimos de longo prazo aos bancos comerciais da zona euro.

Assim, entre Junho deste ano e o mesmo mês de 2021, as taxas de juro das operações de empréstimos de longo prazo aos bancos serão realizadas a uma taxa de juro que pode ficar, pelo menos, em -0,5%. Mas que pode chegar, nos casos em que os bancos comerciais ultrapassem determinados níveis de concessão de empréstimos às empresas, a um valor tão baixo quanto -1%. Até agora, as taxas de juro praticadas eram, respectivamente, de -0,25% e -0,75%.

Para além destas descidas de taxas, o BCE, para garantir que os bancos têm acesso a toda a liquidez de que precisam, lançou ainda sete novas operações de financiamento para os bancos com prazos que podem ir até a um ano e meio.

Estas medidas devem deixar o sector bancário satisfeito – sendo que o BCE tem a expectativa que as instituições financeiras aproveitem estas novas facilidades para emprestar mais dinheiro às empresas – mas nos mercados havia alguma esperança que o BCE fosse já nesta reunião um pouco mais longe. E que, por exemplo, baixasse ainda mais as suas taxas de juro de referência ou que anunciasse um reforço do volume de compras de dívida pública que pretende fazer este ano.

No entanto, os responsáveis do banco central optaram por guardar essas opções para uma emergência futura. E Christine Lagarde, certamente preocupada em evitar grandes desilusões que coloquem sob pressão, por exemplo, as taxas de juro da dívida da Itália, gastou a maior parte da sua conferência de imprensa a relembrar as medidas já tomadas e, principalmente, a garantir que o BCE está “totalmente preparado para aumentar a dimensão” das suas compras de dívida e para “ajustar a sua composição, da forma que for necessário e tanto quanto for preciso”.

PIB cai entre 5% e 12%

Esta promessa, quando combinada com os números que a economia vai apresentando, passa a ser quase um agendamento para apenas um pouco mais tarde da tomada de novas medidas. Esta quinta-feira, o Eurostat e alguns institutos estatísticos nacionais apresentaram os primeiros valores do PIB já afectados pela pandemia do novo coronavírus.

E o que ficou claro foi que, logo no primeiro trimestre deste ano, a economia europeia não resistiu ao efeito negativo do confinamento imposto para controlar a pandemia do coronavírus e registou a contracção do PIB mais forte desde que começaram a ser efectuados registos para a região, em 1995,

De acordo com a estimativa preliminar divulgada esta quinta-feira pelo Eurostat, durante os primeiros três meses do ano, o PIB da zona euro caiu 3,8% face ao trimestre imediatamente anterior.

Por países, foram divulgados pelos respectivos institutos de estatísticas dados do PIB de três das principais economias europeias, a espanhola, a francesa e a italiana.

Em Espanha, de acordo com a estimativa provisória apresentada esta quinta-feira pela autoridade estatística do país, o PIB registou, durante os primeiros três meses do ano, uma variação negativa de 5,2% face ao trimestre imediatamente anterior.

Em França, o PIB recuou 5,8% face ao trimestre anterior, colocando a segunda maior economia da zona euro em situação de recessão técnica, já que no último trimestre de 2019 já se tinha verificado uma contracção (de 0,1%).

E em Itália, o PIB recuou 4,7% – o pior resultado desde, pelo menos, 1995 –, colocando também o país em situação de recessão técnica.

Os dados agora conhecidos das economias europeias são mais um indicador, não só daquilo que aconteceu à generalidade das economias no primeiro trimestre do ano, como dá indicações relativamente ao cenário, provavelmente mais sombrio, do trimestre seguinte. É que, mesmo com a maior parte dos três primeiros meses do ano a registar uma evolução económica positiva, bastaram cerca de duas semanas de restrições no movimento das pessoas e nas actividades económicas para provocar um corte acentuado do PIB a nível trimestral.

Não surpreende, por isso, que as perspectivas para o total do ano apontem para resultados nunca vistos em quase um século. O BCE arriscou também avançar com as suas próprias projecções, colocando a economia da zona euro a cair entre 5% e 12% durante o ano de 2020.

O intervalo é muito grande, mas torna já inevitável que a perda anual do PIB seja a maior de, pelo menos, as últimas oito décadas.

Indústria cai em Portugal

Tudo indica que algo semelhante terá acontecido em Portugal. Ainda não há valores oficiais para o PIB (serão publicados apenas a 15 de Maio), mas os indicadores parciais em alguns sectores mostram já um impacto muito significativo na actividade logo no primeiro trimestre.

De acordo com os dados publicados esta quinta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística, o índice de produção industrial em Portugal registou em Março uma variação homóloga de -7,2%, uma diminuição da actividade do sector industrial que quebra a série de resultados positivos que se tinham registado nos quatro meses anteriores.

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A quebra de 7,2% na produção industrial é a maior desde Abril de 2012, mês em que a variação homóloga deste índice superou os 10%. No entanto, existem motivos para pensar que mesmo esse máximo histórico possa vir a ser ultrapassado nos próximos meses.

Os dados do INE mostram ainda que apenas na área da produção de energia não se registou uma quebra de actividade, mantendo-se o ritmo de crescimento elevado que já se tinha verificado nos dois primeiros meses do ano. Já nas indústrias extractivas, a quebra registada foi de 9,4%, enquanto nas indústrias transformadoras a diminuição chegou aos 10,5%.

O INE revela também que a diminuição da produção aconteceu de forma mais forte no caso dos bens duradouros, aqueles que estão a ser sujeitos a uma maior diminuição da procura. A produção de bens duradouros diminuiu 26,9%, enquanto nos bens não duradouros (que incluem por exemplo os bens alimentares) a descida foi menor, mas ainda assim de 5,9%.

São vários os casos em que as empresas portuguesas do sector industrial anunciaram a suspensão da actividade, algumas delas, como a Autoeuropa, com um peso muito significativo na economia portuguesa. E muitas recorreram ao layoff para reduzirem os seus custos com pessoal. Em Abril, esta tendência parece ter-se acentuado e, apesar de já se estar agora a preparar o regresso à actividade, existem dúvidas em relação ao que irá acontecer ao nível da procura.

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