Mãos que se estendem e mãos que se encolhem

Que a não aprovação do Projecto de Lei do Estatuto do Idoso suscite, em quem o reprovou, uma séria reflexão... se forem capazes.

Ser idoso é um conceito muito relativo: conheço idosos aos 18 anos e jovens aos 90. A questão que se coloca são as nossas condições físicas e/ou psíquicas e as nossas dependências.

Mas quando nos tornamos “idosos” no sentido comum e dependentes, em geral o destino é o lar ou a residência assistida, nem sempre, amiúde, pelas melhores razões.

Não raro, entrar num lar de idosos – filme de horror – é entrar num verdadeiro depósito de pessoas, meio adormecidas, sem actividade e malcuidadas.

Também os proprietários dos lares a que me referi no parágrafo anterior e parte do pessoal de apoio são absolutamente insensíveis às condições em que ali permanecem as pessoas, tantas vezes sem visitas ou qualquer tipo de carinho, com as excepções devidas.

Qual o papel do Estado para todos aqueles que se encontram em tais lares?

Não me refiro só a lares licenciados.

O presidente da Associação de Apoio Domiciliário, de Lares e Casas de Repouso de Idosos, em declarações a este jornal, afirmou recear que o número de idosos em instituições seja superior aos números oficiais, por calcular existirem entre 3500 e 3800 lares clandestinos, com cerca de 35 mil idosos.

O Instituto da Segurança Social, no mesmo dia, 23 de Abril, assegurou fazer o acompanhamento constante de 750 lares de idosos.

Então em que ficamos? Afinal existem mais lares ilegais do que legais? E por onde anda a bendita fiscalização?

Apesar das garantias do ministro da Administração Interna referentes ao facto de ter sido dada prioridade a trabalhadores dos lares na realização de testes que tangem à covid-19 (SARS-CoV-2), a verdade é que autarcas se substituíram ao Serviço Nacional de Saúde e começaram a realizar essa tarefa no que concerne a funcionários e utentes dessas instituições situadas na respectiva autarquia, por não poderem esperar a demora do referido SNS na resposta que se exigia!

Mas anúncios não faltam: segundo o Governo, os idosos com covid-19 que estão em lares e não precisam de acompanhamento vão passar a ser acompanhados por médicos e enfermeiros dos Centros de Saúde, em articulação com os hospitais. O Governo anuncia igualmente a formação dos trabalhadores dos lares pelo Ministério da Saúde.

Pergunto-me com que meios, dado o estado do SNS: médicos, enfermeiros, auxiliares, técnicos, trabalhadores administrativos, bem como pessoal de limpeza, estão esgotados, acima das suas forças.

São boas as medidas anunciadas, mas sem que se explique como vão ser concretizadas de pouco vale, se nem a fiscalização funciona no que respeita aos lares ilegais e também à concretização dos legais.

Por outro lado, vemos voluntários surgir, a cada dia, para acompanharem infectados e doentes. Há muitas mãos que se fecham, mas felizmente também há as que se abrem.

E cada idoso curado e recuperado torna-se titular de esperança, para todos nós, idosos ou não.

E é com este espírito que, unidos, podemos vencer esta enorme adversidade. Sabemos que um dia o vírus será derrotado e esta tremenda peste, esta tragédia colectiva dos nossos tempos, dominada.

Lamento, mais do que nunca, a não aprovação do Projecto de Lei do Estatuto do Idoso, apresentado pelo PSD na Assembleia da República.

Politiquices sem argumentos sérios ou fundamentados, mas com consequências.

O Estatuto do Idoso, que visava, entre outras, medidas contra o esbulho, a violência, o abandono dos idosos, na sequência da Resolução 63/2015 do Conselho de Ministros, que elencava as normas a adoptar em sede legislativa, foi feito para todos.

Que a não aprovação do projecto suscite, em quem o reprovou, uma séria reflexão... se forem capazes. Mãos que também se encolheram.

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