Uma Lei que dorme e que tarda

A protecção aos idosos exige medidas drásticas. Todavia, a Lei que a permitiria parece dormir o sono eterno.

Em Agosto de 2015, foi aprovada em Conselho de Ministros a Estratégia de Protecção ao Idoso (Resolução 63/2015), que previa, entre outras medidas, a repressão de todas as formas de violência, abuso, exploração ou discriminação, bem como a criminalização do abandono de idosos.

Na Resolução ficaram consignadas medidas de proteção jurídica às pessoas idosas e em situação de incapacidade, tendo ficado previsto, igualmente, não permitir que terceiros se aproveitassem das condições referidas.

Entre essas medidas constava também o alargamento da indignidade sucessória, tendo como objectivo não permitir que o herdeiro, que praticasse actos de violência doméstica ou maus tratos, viesse a receber a herança do idoso que maltratara.

A estratégia previa ainda a criminalização de negócios jurídicos feitos em nome de um idoso sem o seu pleno conhecimento. Tratando-se de uma Resolução do Conselho de Ministros, elencava as medidas a desenvolver e a concretizar mediante Lei.

A Lei foi elaborada e apresentada no Parlamento, onde, espantosamente, não foi aprovada, com argumentos, dos quais destaco o do senhor deputado do PCP António Filipe, segundo o qual são os mais carenciados que abandonam os idosos, alegadamente, a seu cargo (?).

Em que dados se baseou o senhor deputado, não sei. Mas que o argumento é inquietante, é. Ninguém, independentemente da sua situação económica, é suposto poder cometer um crime, mas nestes dias de discursos de ódio parece ser permitido e desculpável o impensável.

De acordo com dados da GNR, divulgados pela imprensa em Outubro deste ano, no âmbito da operação Censos Sénior, foram sinalizados 41.868 idosos a viverem sozinhos ou isolados em todo o país.

De acordo com a referida operação da GNR, estamos a falar de idosos em situações de vulnerabilidade – condições físicas, psicológicas e de segurança –, o que aumenta a probabilidade de serem vítimas de furtos, roubos, burlas ou maus tratos.

Segundo dados registados na Linha SOS Pessoa Idosa, operada pela Fundação Bissaya Barreto, e divulgados pela comunicação social em Maio de 2019, a violência sobre idosos registou um aumento de 20% em 2018.

Esses dados revelam que Lisboa, Coimbra, Setúbal e Porto são os distritos com mais denúncias de violência contra idosos, sendo que 29% dos casos são denunciados por familiares. O Alentejo e o Norte do país registaram o maior aumento de denúncias.

De acordo com os dados da Linha SOS, cerca de 70% dos agressores são familiares das vítimas. Sempre segundo os mesmos dados, entre 2015 e 2018, o número de pedidos de ajuda duplicou e os processos quadruplicaram.

Mais, na sua maioria (68%), as vítimas são mulheres e quase metade da amostra (47%) corresponde a pessoas que se encontram em situação de viuvez, sendo a média de idades de 79 anos. Do total das vítimas registadas, 39% vivem sozinhas, 21% residem com os filhos, 14% com o cônjuge e 9% em instituições.

Nas denúncias efectuadas, como dito supra, cerca de 70% dos agressores estão identificados como familiares, pelo que se pode concluir que a relação entre a vítima e o agressor é, na maior parte dos casos, de parentesco. Cerca de 50% dos agressores são filhos das vítimas e 46% desses agressores são homens, sendo que 26% dos identificados são solteiros, com a idade média de 50 anos.

Os familiares denunciaram cerca de 29% dos casos, em particular filhos que denunciaram irmãos, outros são familiares, vizinhos ou profissionais.

As formas de violência mais frequentes, identificadas pelo SOS Pessoa Idosa, são a violência psicológica e a violência física (17%), o abuso financeiro e psicológico (16%) e a negligência e abandono (15%).

É patente que o que vai descrito impõe medidas drásticas. Todavia, a Lei que permitiria aprovar medidas de protecção parece dormir o sono eterno. Não aprovada. Sem mais.

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