O descongelamento

Estão a circular vários “road maps” para o descongelamento. O País tem agora dois problemas, mas nada é impossível.

O estado de emergência está a resultar, o número de novos infetados baixa, é possível que o “pico” tenha já ocorrido. O País tem agora dois problemas.

O primeiro será o aumento do número de hospitalizados e dos que entrarão em cuidados intensivos (UCI), por razões cumulativas: mais infetados, embora em valor decrescente, geram mais necessidade para internamento normal e especial em UCI; sendo as demoras médias elevadas em ambos os casos, iremos ter aí picos a solucionar. Este será o nosso problema no próximo mês e meio.

O segundo problema será visível ou até crítico em Maio: como garantir vigilância epidemiológica nos vários mini surtos que irão forçosamente ocorrer, à medida que forem sendo descongeladas as medidas de confinamento, por pressão social inescapável?

O primeiro problema implica planeamento no território, de acordo com necessidades e recursos. As primeiras não se podem distribuir, apenas os segundos. Leio que foram admitidos mil novos profissionais, mas há que treinar os que vão ser necessários, sobretudo nas UCI. Se há bons voluntários vamos usá-los também, como já se faz nos lares. O outro problema requer bom senso, o das instalações e equipamentos. Não contesto o voluntarismo de transformar pavilhões em hospitais de campanha. Não contesto o aproveitamento de serviços vagos em unidades covid. Mas tenho dúvidas se será certo deslocar unidades de alta tecnologia (diálise, transplante) para locais estranhos, destruindo esforços humanos, técnicos, científicos e culturais de décadas. Há alternativas construtivas, sem serem destrutivas.

O segundo problema é mais difícil de identificar e de medir: em que consiste a vigilância epidemiológica? Não pode ser apenas preencher, por computador, a tempo e horas, as declarações de notificação obrigatória de doenças transmissíveis. Será mais do que isso: ir a cada escola, universidade, instituto politécnico, empresa, fábrica, oficina, serviço, artesão ou pequena empresa e criar uma relação direta com os serviços locais de saúde pública (SP). Com relação de confiança, ao primeiro sinal de doença, chama-se a Saúde 24, agora com melhor resposta. Em outros casos – fábricas, hotéis, grandes escolas  será necessário montar localmente meios de controlo: medição regular da temperatura, dispositivos de proteção, higienização de espaços e materiais, afastamento social e até laboratórios de análise serológica em grandes aglomerados. O reforço da nossa SP nesta fase que se aproxima será o melhor agradecimento que lhe podemos dirigir pela ação desenvolvida até agora.

A pressão da economia para o descongelamento vai ser enorme. A necessidade de prosseguir a vida escolar é um imperativo de futuro. O turismo, já tão sacrificado, terá que ser ajudado de forma especializada para adicionar ao prestigiado acolhimento a boa reputação da nossa gestão de crise.

Estão a circular vários “road maps” para descongelamento. Um deles, no sítio da Universidade Johns Hopkins, exige quatro condições: (a) 14 dias de continuada descida do número diário de novos casos; (b) garantia de que o sistema hospitalar está apto para tratar os casos covid e toda a restante rotina, sem decréscimo da qualidade; (c) capacidade para testar todos os que se apresentem com sintomas covid; (d) vigilância epidemiológica ativa para confirmar os novos casos e seus contactantes. A primeira condição vai atingir-se ao longo de Abril. A segunda, até agora garantida, vai ser submetida a stress próximo. Na terceira há limitações de mercado a vencer com ajuda da comunidade científica. A quarta exige ainda trabalho de casa. Nada é impossível.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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