Uma breve nota de esperança

Os portugueses isolam-se, aceitam regras violentas ou a incerteza, porque no escuro vêem um pouco de luz. Um pequeno alento, apenas, mas indispensável para as semanas terríveis que ainda estão para vir.

Os jornais e os jornalistas têm a fama (e o proveito) de se dedicarem ao que está mal e de subestimarem o que corre bem, de assumirem que a notícia é quando o homem morde o cão e não quando o cão morde o homem. Mas há momentos em que convém baralhar as regras do jogo, inverter os princípios e afirmar que algo de positivo está a acontecer no país que retratam. É o caso. Portugal e os portugueses, tudo o parece indicar, estão a conseguir mitigar os danos da covid-19. Custa dizê-lo quando há milhares de concidadãos infectados com o vírus, quando tantos perderam o emprego ou estão em casa sem trabalhar, quando há centenas de famílias enlutadas, quando sabemos que nada ainda está ganho e, pela frente, há ainda um terrível desafio que vai exigir esforço e privação. Mas os números e a curva da infecção, ou a opinião de tantos dos nossos cientistas, permitem-nos ao menos dizer que, colectivamente, estamos a ser capazes de evitar males maiores. De gerir a situação. De evitar o caos.

Pode ser que na situação volátil e desconhecida que vivemos seja prematuro assumir uma réstia que seja de optimismo e de esperança. Sabemos que a realidade que nos é dada a perceber é apenas uma ponta do icebergue da pandemia. Há milhares ou centenas de milhares de casos assintomáticos e ocultos que num ápice podem emergir. Há dificuldades em fazer tantos testes como gostaríamos. Há falta de meios nos hospitais, há cansaço nas equipas de médicos e de enfermeiros. Nada está garantido neste que é o mais duro e impensável desafio colectivo em muitas décadas. A não ser a certeza de que é impossível sair do seu labirinto sem perdas, sacrifício, dor, pobreza e ansiedade. A medida do nosso sucesso enquanto país está apenas na capacidade colectiva de evitar os cenários mais graves, como os que os nossos vizinhos espanhóis estão a viver. Tudo indica que estamos a conseguir.

Vale por isso a pena arriscar um ligeiro e momentâneo tom de optimismo e admitir que, como sociedade, conseguimos assumir as nossas responsabilidades; que os nossos políticos, no Governo ou na oposição, em São Bento ou em Belém, estiveram à altura da missão que lhes era exigida; que o SNS, os médicos, os cientistas dão provas de competência. Não é só por resignação que o país viveu em silêncio estes dias de chumbo. É também por confiança. Os portugueses isolam-se, aceitam regras violentas ou a incerteza, porque no escuro vêem um pouco de luz. Um pequeno alento, apenas, mas indispensável para as semanas terríveis que ainda estão para vir.

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