Portugal... e agora? Uma Economia à procura de actores

A análise de Portugal em 2020 como “Uma Economia à procura de actores” é profundamente dilacerante e obriga-nos a repensar o papel do Estado e das empresas na sociedade.

Em modo de conferência, o PÚBLICO celebrou 30 anos de vida, no Museu da Electricidade, em Lisboa. Como seria de esperar num aniversário tão importante, que reflecte o cariz simultaneamente jovem e maduro do jornal, os temas lançados pelo PÚBLICO a público visavam provocar intenso debate sobre o lugar onde estamos, como país e sociedade, face às grandes transformações tecnológicas, sociais, políticas, económicas e financeiras que marcaram as últimas três décadas.

Tive a oportunidade de assistir a um dos painéis da conferência, constituído por um naipe de reputados especialistas em economia e finanças. Abrindo o debate, como conferencista principal, o professor José Pinto dos Santos argumentou que observamos em Portugal uma “Economia à procura de actores”. À provocação seguiu-se uma explicação clara e simples: na perspectiva do professor, quando analisamos a década de nascimento do PÚBLICO, ou seja, a década de noventa, encontramos no mundo empresarial português nomes que, com voz política activa e grande capacidade de intervenção, lideraram profundas mudanças na economia e na sociedade. Pelo contrário, José Pinto dos Santos afirma, apesar de existirem hoje em dia empresas portuguesas pujantes, com grande capacidade de exportação e que constituem casos de sucesso internacional, que o país sente a falta de uma liderança empresarial que marque a diferença nas grandes escolhas políticas, na economia e na sociedade como um todo.

Dois grandes nomes apresentados como exemplo de gestores visionários que desbravaram uma trajectória de sucesso empresarial, gerando profunda mudança económica e social no país, são, como será fácil antever, Alexandre Soares dos Santos e Belmiro de Azevedo. Cultivando alianças políticas, financeiras e regulatórias a nível nacional, desbravando novas relações comerciais com fornecedores multinacionais e locais, implementando novos horários de abertura do comércio ao público, e mantendo uma postura interventora em questões sociais, ambos percorreram a passo largo o caminho para o comércio moderno que hoje conhecemos e que espelha uma sociedade plural, com preferências diversas, gostos cosmopolitas, habituada a escolher e a fazê-lo com liberdade e flexibilidade. Note-se que esta nova forma de fazer e de estar “em comércio” contribuiu para modificar rotinas individuais, relações laborais e comportamentos sociais, e foi alcançada antes da revolução tecnológica que permitiu o desenvolvimento dos mais recentes modelos de compra e venda electrónica “fora de horas” e sem limitação geográfica.

A análise de Portugal em 2020 como “Uma Economia à procura de actores” é profundamente dilacerante e obriga-nos a repensar o papel do Estado e das empresas na sociedade. Todavia, não será possível navegar o mar de incertezas que esta abordagem acarreta e entender o nosso destino na economia global, sem primeiro dissecar outras questões que estão intrinsecamente relacionadas com ela: quais as condições institucionais e políticas que permitem a emergência de líderes empresariais visionários, com poder de intervenção pública e a capacidade de gerar verdadeiras transformações na economia e na sociedade? No contexto de perda de capacidade reguladora do Estado perante as instituições europeias, é possível ouvir vozes empresariais nacionais com real impacto nas políticas públicas e nas relações sociais? Na economia cibernética, marcada por modelos micro-orgânicos e dispersos de produção, consumo e pagamento, e pela diluição dos conceitos de relação laboral e financeira, é viável uma liderança empresarial nacional? Afinal, Portugal, quer ao longo do século XX, quer em grande parte da sua história, compensou baixos níveis de cooperação e organização com centralismo político e empresarial. E agora?

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