Morreu Alexandre Soares dos Santos, ex-líder da Jerónimo Martins

Empresário morreu esta sexta-feira aos 84 anos.

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Alexandre Soares dos Santos, antigo líder da Jerónimo Martins, morreu ao início da noite desta sexta-feira aos 84 anos, confirmou o PÚBLICO junto de fonte oficial do grupo. As cerimónias fúnebres serão, por vontade expressa de Soares dos Santos, reservadas à família mais próxima. 

Ex-líder do grupo Jerónimo Martins durante 46 anos, Alexandre Soares dos Santos, nascido no Porto a 23 de Setembro de 1934, reformou-se em 2013 de presidente do grupo que tornou numa multinacional, com presença hoje na área da distribuição em Portugal, Polónia e Colômbia. A holding familiar que também liderou, a Sociedade Francisco Manuel dos Santos é não só dona maioritária (56%) do grupo Jerónimo Martins, como financiadora da Fundação Francisco Manuel dos Santos, criada em 2009, e vencedora, em 2015, do processo de concessão do Oceanário de Lisboa por 30 anos.

Quando, em Dezembro de 2013 saiu da liderança do grupo, não teve dúvidas, nem remorsos: “Chego a esta idade sem a mínima frustração. Tudo me correu bem. Fui feliz no casamento, fui feliz nos filhos, tenho netos. Os negócios correrem muito bem, gosto das pessoas e as pessoas gostam de mim. De maneira que sou um tipo feliz” (Jornal de Negócios, Dezembro de 2013).

Em Março de 2017, foi condecorado por Marcelo Rebelo de Sousa com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Empresarial, que distingue “quem haja prestado, como empresário ou trabalhador, serviços relevantes no fomento ou na valorização de um sector económico”.

Antes de tudo, a família

Filho de Elísio Alexandre dos Santos, genro do fundador do grupo Francisco Manuel dos Santos, Alexandre Soares dos Santos alternou a sua infância e adolescência entre Lisboa e o Porto.

"Nasci no Porto e vim para Lisboa com um ano. Frequentei a escola primária no Colégio Académico dos Anjos, depois fui para o Porto [como] interno fazer o liceu. O meu colega de carteira era o Francisco Sá Carneiro. No quinto ano tive grandes notas e regressei a Lisboa. Fui para o D. João de Castro". (PÚBLICO, 2012)

Frequentou o curso de Direito, até ao terceiro ano, na Universidade de Lisboa. Começou a carreira na Unilever, aos 22 anos.

“Nunca soubemos o que é ser pobre, nem ter dificuldades. E isso deve-se ao meu avô [Francisco Manuel dos Santos] e ao meu pai. Tínhamos por obrigação venerar e homenagear aqueles que nos permitiram ter uma qualidade de vida”. (Grande Entrevista, na RTP, em Maio de 2016)

"O meu avô tinha dinheiro. O meu pai vivia muito bem, mas estava longe de ser rico. E eu não queria viver à custa do pai. Fui falar com a Unilever que sabia quem nós éramos. Entrevistaram-me na sede, em Roterdão, fizeram-me testes, disseram: ‘Entra’. Fui procurar a minha vida".(PÚBLICO, 2012)

Alexandre Soares dos Santos trabalhou para a Unilever – que desde 1949 tinha uma joint-venture em Portugal com a JM - primeiro na Alemanha, depois na Irlanda e França e, finalmente no Brasil.

"Fui daqui para Kleve, uma cidade ao pé da fronteira com a Holanda [no pós guerra]. Houve uma parte interessante, que me deu um conhecimento da vida enorme, enorme, enorme. Ter trabalhado como operário no turno da noite. Seis semanas. E trabalhei como vendedor cinco meses. Levantava-me às cinco da manhã e deita-me às dez, onze. Vendia, entregava e carregava uma tonelada de margarina por dia. Com os vendedores, aprendi os truques todos. É preciso compreender o que é entrar às onze da noite e estar lá até às seis da manhã”.

"Quando fui para o Brasil [1964], pela primeira vez tive dinheiro. Ser expatriado significava uma melhoria da qualidade de vida. E eu já levava cinco filhos na bagagem”.

De onde voltou, em 1968. “No tempo da Unilever, o vice-presidente um dia perguntou-me o que é que eu queria ser; disse-lhe: ‘Se pudesse ter o seu lugar, gostaria’. Ele disse: ‘Esquece, vais substituir o teu pai’. O meu pai morreu um ano depois. (PÚBLICO, 2012)

Aos 34 anos, Alexandre Soares dos Santos deixou a carreira internacional na Unilever e aceitou o pedido da família para regressar a Portugal e tomar conta da empresa, que até então o seu pai liderara.

Dos seus sete filhos e filhas, três ficam com responsabilidades adicionais: Pedro Soares dos Santos foi o escolhido para o suceder à frente da JM SGPS – embora a empresa seja cotada o accionista Sociedade Francisco Manuel dos Santos domina em 56% -; José Soares dos Santos ficou à frente da “holding” familiar SFMS e com os “pelouros” do Oceanário e da Fundação Oceano Azul, que irá agregar fundos próprios e de terceiros para investir no estudo, investigação e divulgação de assuntos do mar; e Henrique Soares dos Santos, que sucedeu a José Soares dos Santos na administração da JM SGPS.

"Sempre adorei ter uma grande família. Somos uma família tremendamente unida. Tenho filhos que me telefonam às sete e meia da manhã. A perguntar como é que estou. Se não me telefonam, não fico preocupado por que não me telefonam. Fico chateado por não me terem telefonado". (PÚBLICO, 2012)

O liberal

Várias vezes no pódio da lista dos mais ricos de Portugal, manteve sempre a defesa acérrima da iniciativa privada. Dizia, em Março de 2014: “Quem deu cabo do país”, na sua opinião, “foram as empresas públicas e o Estado”, já que “a iniciativa privada em geral é séria, trabalha e tenta desenvolver o país”. Mas nem toda era bem-vinda: “Detesto investimentos chineses. Não trazem ‘management’, nem ‘know-how’, nem coisíssima nenhuma”, disse em Outubro de 2014.

"Concordo com as privatizações, com vendas a grupos estrangeiros se nos trouxerem alguma coisa - conhecimento, gestão, desenvolvimento do produto. Se não trazem nada disso e é apenas para pôr aqui dinheiro que não se sabe de onde veio, não estou de acordo”, defendeu em Janeiro de 2013 (Expresso).

Tinha, por norma, pouco apreço pela classe política mais recente - “os nossos governantes não vêem nada além do Cristo-Rei” (Expresso, 2013).

Critico de José Sócrates, admitiu que o contrataria até. “Achava que o José Sócrates tinha uma total falta de ética. O José Sócrates pensava nele e no partido dele. E o país não é dele. É uma pena, sabe? Contrataria o Sócrates. Entrava como ‘trainee’. Ia fazer estágio de loja. Eu contrataria o Sócrates ‘trainee’, não era o Sócrates primeiro-ministro – esse ia à vida”. (PÚBLICO, 2012)

Mas não poupou o período de Pedro Passos Coelho e da troika: “A Assembleia da República é controlada pelo Governo - isto é contra o princípio da democracia” e “o maior erro e a razão de tanto disparate que hoje se faz neste país. E do descalabro financeiro que aconteceu”. “O nosso dia de amanhã é certamente pior do que o de hoje. E isto é dramático e estes senhores [políticos] têm culpa”. (Negócios, Dezembro de 2013).

A empresa

Pelas palavras de Alexandre Soares dos Santos, em entrevista ao PÚBLICO, em 2012, percebe-se como se equilibrou indústria e distribuição no grupo que liderou por 46 anos: “A JM era constituída por duas famílias: a Santos e a Vale. Que se davam muitíssimo bem, mas que tinham perspectivas de vida diferentes. A minha interpretação é a de que ele [o pai, Elísio Alexandre dos Santos] não esteve para lutar com a família [Vale]. E foi para a indústria com a Unilever. Jerónimo Martins? Deixa andar. Isso explica [a razão pela qual] acabei por adquirir [em 1989] a posição da família Vale [na JM]. A minha família era mais empreendedora, a família Vale era muito conservadora”.

"Quando vim para o JM, [encontrei] uma empresa pouco conhecida, mas muito importante. Tinha um investimento extraordinário na indústria. E era o maior armazenista do país. Não eram as lojas da Rua Garrett que eram importantes. O problema que se pôs: isto é para vender e dividir ou é para crescer?”.

A resposta invoca quem veio antes. “Se tenho um avô que aos dez anos abandonou a aldeia [na Beira] para ir trabalhar [para o Porto], o que nos deu um conforto brutal toda a vida, não tenho direito de vender. Tenho é que o homenagear e agradecer o que nos deixou, e fazer crescer”.

A “grande lição"

Foi sob a sua liderança que o grupo Jerónimo Martins lançou em 1980 a cadeia de supermercados Pingo Doce, então em parceria com os belgas da Delhaize.  Na década de 90, pico das aquisições de outros operadores mais pequenos no mercado português, o parceiro foi substituído pela holandesa Ahold. Hoje, o Pingo Doce tem 425 lojas, emprega 32 mil colaboradores, com vendas de 3,83 mil milhões de euros.

É também na década de 90 que a JM faz aquela que seria a sua maior aposta - investir na Polónia - reiterada 10 anos mais tarde na decisão de não abandonar esse mercado quando o momento foi de desinvestir.

No limiar do século, a forte expansão causaria dores de crescimento ao grupo cuja génese remonta a 1792. Com presença então em Portugal (distribuição e indústria), Polónia, Brasil e Reino Unido, uma das mais antigas cotadas da bolsa de Lisboa avisa em 1999 o mercado que os resultados ficarão abaixo do previsto. É a própria companhia que, na sua história que admite que foi o primeiro “profit warning” da bolsa portuguesa.

Houve então que fazer escolhas para reduzir dívida e recuperar o balanço. E foram feitas. Foram vendidas as águas Vidago, Melgaço e Pedras Salgadas e, englobando um plano estratégico em 2002, foram alienados outros activos não estratégicos, retirando o grupo e alguns mercados, como o Reino Unido e sobretudo, do Brasil, com a venda dos supermercados Sé.

O Brasil, reconhecerá muitas vezes, sem vergonha, foi “a grande lição”. “Demonstrou que sem um balanço financeiro forte, e sem recursos humanos, não vale a pena. Fomos dois anos mais cedo para a América do Sul porque nos ofereceram uma companhia extraordinária e não muito cara. A posteriori, percebo que devíamos ter comprado aquela companhia e tê-la deixado quieta enquanto consolidávamos a Polónia. Não o fizemos”, admitiu em entrevista em 2012. Lição aprendida: “Saímos do Brasil, ficámos líderes na Polónia”.

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