A saúde global precisa de uma resposta multilateral!

Com o recente foco em Itália a assumir dimensões preocupantes, deveria pertencer à União Europeia a responsabilidade de coordenar a resposta multilateral. Infelizmente, os tratados, que em outras áreas são robustos e abrangentes, são insuficientes na área da saúde, especialmente no que concerne a emergências de saúde pública.

A recente epidemia provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) demonstra, novamente, duas dimensões atuais: i) as doenças não conhecem nem respeitam fronteiras; ii) os impactos de emergências de saúde ultrapassam bastante o tradicional binómio saúde-doença, produzindo uma profunda influência na diplomacia e no desempenho da economia.

O aumento do número de casos, com evidência de transmissão pessoa a pessoa, associado ao desconhecimento do potencial patogénico do vírus, levou a que a Organização Mundial da Saúde declarasse, no passado dia 30 de janeiro, o SARS-CoV-2 como uma emergência de saúde pública mundial.

A resposta diplomática seguiu essencialmente dois caminhos distintos, mas complementares. A resposta securitária, com quarentenas mais ou menos impostas, encerramento de fronteiras, repatriamento de nacionais e cancelamento de voos. Por outro lado, uma resposta de cooperação entre Estados tendo em vista a produção de conhecimento científico que auxilie na prevenção e combate à doença.

O sector da saúde pode fornecer um importante auxílio à política externa, constituindo a diplomacia da saúde global uma relevante ferramenta tendo em vista a consecução dos objetivos diplomáticos. A governança global para a saúde, com foco na equidade, deve ser uma das prioridades da política externa. A solidariedade e cooperação entre nações, assim como a segurança e crescimento económico, são bastante fortalecidos ao abandonar o paradigma vinculado ao jogo de soma zero.

A profunda relação entre saúde e economia, existente em várias dimensões, fica igualmente demonstrada na forma como as medidas de contenção provocam um significativo impacto económico à escala global. Na China, a quebra na produção industrial e no consumo interno, a diminuição da utilização dos transportes associado à diminuição do consumo de produtos petrolíferos, pode causar o menor crescimento nos últimos 30 anos. Os recentes focos na Coreia do Sul, Irão, Japão e Itália já levaram o FMI a alertar que a recuperação económica está em risco.

Neste ambiente de diminuição dos recursos disponíveis, associado a pulsões isolacionistas, devemos assumir que a resposta acertada será, sem dúvida, a da cooperação e partilha de conhecimento. Com o recente foco em Itália a assumir dimensões preocupantes, deveria pertencer à União Europeia a responsabilidade de coordenar a resposta multilateral. Infelizmente, os tratados, que em outras áreas são robustos e abrangentes, são insuficientes na área da saúde, especialmente no que concerne a emergências de saúde pública.

A saúde do cidadão individual resulta maioritariamente do produto de um esforço coletivo. É necessário o envolvimento da sociedade, através de uma acção nos determinantes políticos e sociais da saúde. Os resultados desta epidemia estão dependentes do equilíbrio proporcionado por estes determinantes. A resposta à escala europeia é essencial e, mesmo operando num enquadramento normativo limitador, é possível fazer muito mais do que foi demonstrado até ao momento. A recente decisão, por parte da Comissão Europeia, de investir 232 milhões de euros no combate à doença é uma evidência desta possibilidade.

Pelo facto de os vírus não conhecerem fronteiras, o foco ativo no Irão também deve ser alvo de preocupação. Possui um sistema de saúde menos capaz para lidar com emergências de saúde pública, que as sanções económicas a que foi sujeito não contribuíram para melhorar. No âmbito da diplomacia da saúde, a UE deveria iniciar esforços tendo em vista a capacitação da resposta de saúde local e a contenção da ameaça.

Os sistemas de saúde globais estão a passar por um verdadeiro teste de stress. É necessário um ambiente multilateral de cooperação entre Estados, que crie as condições necessárias para compreender e combater esta nova ameaça à saúde pública.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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