Na Odete mostra-se que “o veganismo pode ser gostoso”

Na padaria artesanal e pastelaria que abriu no Bonfim, no Porto, tudo é 100% natural. A produção de raiz é uma das bandeiras deste espaço que quer “desmistificar o veganismo”.

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Nelson Garrido

Lucas Batista, 34 anos, nunca chega atrasado ao trabalho. Às 5h30, depois de acordar, desce as escadas do segundo andar do apartamento, na Rua de Santo Ildefonso, e enfia-se na pequena cozinha do rés-do-chão, “às vezes ainda de pijama”. Depois de aquecido o forno, começa a assar os pães, cuja massa foi preparada no dia anterior, confecciona bolos frescos e recheia os croissants que ficaram a fermentar a noite inteira. Tudo tem de estar pronto e impecável às 9h, hora a que a padaria e pastelaria Odete, inaugurada na freguesia do Bonfim em Janeiro, abre as portas.

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Lucas Batista, 34 anos, nunca chega atrasado ao trabalho. Às 5h30, depois de acordar, desce as escadas do segundo andar do apartamento, na Rua de Santo Ildefonso, e enfia-se na pequena cozinha do rés-do-chão, “às vezes ainda de pijama”. Depois de aquecido o forno, começa a assar os pães, cuja massa foi preparada no dia anterior, confecciona bolos frescos e recheia os croissants que ficaram a fermentar a noite inteira. Tudo tem de estar pronto e impecável às 9h, hora a que a padaria e pastelaria Odete, inaugurada na freguesia do Bonfim em Janeiro, abre as portas.

Odete é o nome da avó materna, uma pessoa “muito marcante” para o brasileiro, que se mudou para o Porto em 2017. Alguém que “estava muito à frente do seu tempo”, mulher que se divorciou “numa altura em que ninguém se separava” e que “sempre prezou pela independência financeira”. Se dela veio, por exemplo, o empreendedorismo, através de Eunice, avó paterna e “cozinheira de mão cheia”, começou uma paixão que o resto da família estimularia. “Todas as tias faziam pão em casa”, em Mogi Mirim, município da cidade de São Paulo, onde cresceu.

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A mãe, sempre “preocupada com a alimentação”, passou os cuidados para Lucas, que fez a transição para o vegetarianismo em 2009 – e tem, desde então, sido “cada vez mais vegan”. “Nunca comíamos alimentos processados, sempre fomos muito plant-based”, conta à Fugas. Depois de, em 2012, tirar em Paris um mestrado em Ética Ambiental – onde o interesse do fundador da Odete por panificação artesanal e fermentação natural cresceu –, e de, brinca, trabalhar com um chef francês cujo pão “era uma porcaria”, a ideia de criar uma padaria e pastelaria artesanal começou a ganhar forma.

Não que a Odete seja apenas isso: também é, por exemplo, café ou mini-restaurante, sempre que precisa de o ser. Todos os sábados, das 19h às 23h, o espaço, que também acolhe a ocasional peça de teatro experimental, transforma-se em pizzaria. Isto sem falar do bar aberto, uma vez por mês. Praticamente tudo é feito de raiz, e na cozinha, garante Lucas, não entram aditivos ou fermentos químicos. Uma casa que quer “desmistificar o veganismo” – e mostrar que ele “também pode ser gostoso”.

“Nas primeiras semanas, algumas pessoas ficaram chocadas depois de descobrirem que era possível fazer um pastel de nata sem ovos”, lembra o paulista. Mas ei-lo no menu da Odete (1,50€), mesmo ao lado do croissant ou do pão com chocolate. Lucas, que não hesitou e arrancou com o negócio assim que o espaço abaixo do seu quarto ficou vago, quis “pegar nos ‘clássicos’ da pastelaria francesa” e transportá-los para um contexto vegan, sem deixar que a essência – e “o maravilhoso sabor” – se perdessem. As mesmo tempo, quis mostrar que pode haver mais numa dieta saudável e amiga do ambiente do que “tofu e saladas”.

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Mas é o pão, essa incontornável lembrança das tias e avós em Mogi Mirim, que mais se destaca nas prateleiras. Trigo integral ou branco, curcuma e pimenta preta, gengibre, centeio (a mais recente adição ao catálogo). A escolha é variada – e toda ela 100% natural. Entre as dobras e o descanso da massa, a “manipulação” leva cinco a seis horas. Um processo que pode ser moroso, mas que ao mesmo tempo, assinala o brasileiro, conduz a um produto final “muito gratificante”. “Valorizei sempre muito a produção de raiz. Às vezes corro para fazer tudo a tempo, mas vale a pena.”

Por outro lado, os menus de almoço, de terça a sexta, incluem uma sopa, um gole de café e bruschetta, que pode variar entre os 6,90€ (bruschetta de abacate, chutney de tomate e sementes de chia) e os 7,50€ (bruschetta de ricota de tofu, shiitake e espargos). As tostas, que incluem queijo, tomate e orégãos (3,90€) ou shiitake, pasta de brócolos e cebola caramelizada (5,90€), são outras opções.

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Quem não vem pela comida consegue simplesmente apreciar um “espaço de convívio” que “pode ser para todos”, “sem televisões irritantes ou música superalto”. Por falar em música, o piano encostado à parede, que não tinha grande espaço no quarto de Lucas, está à disposição de qualquer cliente que queira tocar um tema ou dois. O instrumento lembra a avó Odete, que, recorda o neto, “adorava música”, “desde clássica a sertaneja”.

Consequência de viver no segundo andar, Lucas faz muitas horas extra. Antes das 19h, hora de fecho da padaria, acaba de moldar a massa que vai levar ao fogo na madrugada seguinte. É um ritmo exigente, que o mantém sempre ocupado e a correr. Mas é “uma boa correria”, para sustentar este espaço no qual o veganismo pode ser criativo – e sempre delicioso.