Bloomberg foi ao debate do Partido Democrata servir de alvo com cara de Trump

Multimilionário foi atacado por todos os adversários no debate televisivo em Las Vegas entre os candidatos a enfrentarem Donald Trump. Mas a sua fortuna pode mantê-lo em jogo até ao fim, na esperança de uma convenção decidida pelos “superdelegados”.

Foto
A senadora Elizabeth Warren destacou-se nos ataques a Michael Bloomberg Reuters/DAVID BECKER

Como numa maratona dos Jogos Olímpicos em que os atletas mais atrasados começam a depender de desistências lá na frente para se manterem na luta pela vitória, o debate da noite de quarta-feira entre os candidatos nas eleições primárias do Partido Democrata americano, em Las Vegas, foi encarado como um teste final pelos menos beneficiados nas sondagens. E ninguém mais do que Michael Bloomberg, recém-chegado à campanha e já em 2.º lugar nas intenções de voto, sentiu na pele essa urgência.

Atacado por todos os lados, o multimilionário que se apresenta como uma tábua de salvação para o centro do Partido Democrata, se a esquerda de Bernie Sanders não ceder até ao final das primárias, foi tratado durante duas horas como se fosse um alma gémea de Donald Trump – rico e pouco fiel a um só partido à semelhança do Presidente norte-americano, e tal como ele com um passado cheio de pontos de interrogação sobre o tratamento de mulheres e minorias.

Logo nos primeiros minutos do debate, quando o senador Bernie Sanders ainda respondia à primeira pergunta de um dos moderadores, a outra candidata da ala progressista, Elizabeth Warren, já levantava o braço para falar. E o que tinha para dizer foi devastador e marcou o tom do debate até ao fim.

“Eu quero falar sobre o nosso adversário: um multimilionário que chama ‘gajas gordas’ e ‘lésbicas com cara de cavalo’ a mulheres. E não, não estou a falar de Donald Trump. Estou a falar de Bloomberg.”

Numa era em que as tiradas acutilantes são mais comentadas e partilhadas nas redes sociais do que algumas propostas que acabam por mudar as vidas dos utilizadores do Twitter e do Facebook, a senadora Warren acabara de vencer o debate ainda antes de todos os adversários abrirem a boca.

“O Partido Democrata não vai ganhar se tiver um nomeado que escondeu as declarações de impostos, assediou mulheres e apoiou políticas racistas”, disse Warren, referindo-se à política de combate à violência que Bloomberg aplicou durante os seus tempos de mayor de Nova Iorque, conhecida como “stop and frisk” (parar e revistar) – um incentivo aos polícias para revistarem o maior número possível de jovens em bairros pobres, que afectou de forma desproporcional afro-americanos e hispânicos.

A partir desse momento, a relativa contenção dos candidatos nos oito primeiros debates desapareceu por completo. E houve até tempo para mini-escaramuças entre Pete Buttigieg e Amy Klobuchar, dois candidatos do centro que esperavam beneficiar da queda de Joe Biden nas sondagens e que agora têm também Bloomberg no caminho.

A senadora do Minnesota quase perdeu a paciência com a insistência do antigo presidente da câmara de South Bend, no Indiana, em acusá-la de votar ao lado do Partido Republicano sobre imigração mais vezes do que os outros senadores democratas na corrida à Casa Branca: “Quem me dera que toda a gente fosse tão perfeita como você, Pete.”

Divisão profunda

Ao surgir como a vencedora no campeonato dos ataques e dos sound bites no debate do Nevada, a senadora Elizabeth Warren mostrou que continua a ser relevante para as contas finais, e que os seus apoiantes não precisam de começar já a correr para os braços de Bernie Sanders. Mas para isso precisa de um bom resultado na votação de sábado, no Nevada, e na Carolina do Sul uma semana depois – este ano, ao contrário do que é habitual, é possível que nenhum candidato conquiste uma maioria de 1991 delegados durante as primárias, e é importante chegar ao fim com o maior número de delegados possível.

Quase no fim do debate, os moderadores fizeram uma pergunta simples a cada um dos candidatos: se nenhum deles assegurar a nomeação durante as primárias, com a conquista do tal mínimo de 1991 delegados, estão dispostos a reconhecer a vitória do candidato que chegar à convenção com mais delegados do que os outros?

As respostas não foram surpreendentes, mas dizem muito sobre a longa e atribulada campanha que o Partido Democrata tem pela frente para escolher o adversário de Donald Trump nas eleições presidenciais de Novembro, e sobre a difícil tarefa de unir o partido após uma campanha onde cada vez mais parecem conviver dois partidos diferentes debaixo do mesmo nome. A única resposta positiva foi a de Bernie Sanders – o candidato que lidera as sondagens com mais de 30% das intenções de voto e que é o favorito a terminar as primárias com mais delegados do que os outros.

É por causa desta divisão entre progressistas e centristas no Partido Democrata que a noite de terror de Michael Bloomberg, em Las Vegas, pode não ser um pesadelo duradouro para a sua campanha.

Com uma fortuna avaliada em 60 mil milhões de dólares, Bloomberg não precisa tanto como os seus adversários de boas prestações em debates para angariar apoio financeiro e manter-se na corrida – precisa, isso sim, de delegados suficientes para chegar à convenção com hipóteses de vencer numa segunda ronda de votações.

E, se isso acontecer, os mais de 700 “super-delegados” do Partido Democrata, que têm liberdade de voto e podem entrar em acção numa segunda volta, podem desequilibrar a balança para o lado de um candidato que chegue à convenção com menos delegados do que outros, seja ele Bloomberg, Biden, Buttigieg, Warren ou Klobuchar.

Sugerir correcção
Comentar